terça-feira, 23 de junho de 2009

Atentada Tradução I - W. Busch

Twice two equals four: ’tis true
But too empty and too trite.
What I look for is a clue
To some matters not so light.


Dois vezes dois é quatro: verdade
Mas muito vazio e insosso.
O que procuro é uma chave
Pra assuntos menos tolos.


Dois e dois são quatro: maravilha!
Mas por demais vazio e irrelevante.
O que procuro é a trilha
Pra paradas mais fascinantes.


É verdade: duas vezes dois é quatro
Mas demasiado vazio e estável.
O que procuro é ser apto
Pra matéria mais volátil.


Dois e dois somam quatro: é isso!
Porém fútil e inerme.
O que procuro é saída
Pra guerra não tão leve.


Duas vezes dois é quatro: duvida?
Mas é oco e sem graça – e muito.
O que procuro é partida
Pra onde eu não sei: pro mundo?


A matemática é certa: se vê
Pena ser fácil – que tédio!
O que procuro? Morrer
Pra tudo que é sério.

segunda-feira, 15 de junho de 2009

António Alçada Baptista

Ainda trago na memória a entrevista que me permitiu conhecer António Alçada Baptista, de cuja morte apenas recentemente soube. Recordo-me de seus óculos, de seus cabelos grisalhos, da delicadeza de suas palavras. Marcou-me sobremaneira sua apologia do afeto, se é que posso assim me exprimir, de modo que logo fui buscar algum de seus livros. Encontrei O Tecido do Outono, o qual me tocou profundamente a ponto de me considerar um novo homem após a leitura. Daí, iniciei a caça a outros, difíceis de encontrar, já que não editados no Brasil ou esgotados há muito. Foi o caso d'O Riso de Deus, d'Os Nós e os Laços, Peregrinação Interior I e II, do Tempo nas Palavras e, mais recentemente, d'A Pesca à Linha.
Alçada, como intimamente o chamo, adquiriu certa proeminência em Portugal, embora aqui, no além-mar, tenha assomado pouco mais que a notoriedade de sócio da Academia Brasileira de Letras. Pai de sete filhos, o que para mim é significativo, parece sempre ter navegado os mares do amor e de Deus, elaborando os conflitos oriundos de uma educação tradicional sem descurar dos desafios e incongruências do tempo presente. Sua literatura é marcada pela suavidade e beleza com que vive e demonstra os sentimentos. Como ninguém mais, singrou o oceano da afetividade com o espírito tão forte e tão frágil como pode ser aquele de quem cruza um Atlântico para desbravar a mais incógnita de todas as terras: a sensibilidade.
António Alçada Baptista
Covilhã, 29 de janeiro de 1927
Lisboa, 07 de dezembro de 2008

domingo, 7 de junho de 2009

Liberdade

pra Oficina de Filosofia da Coopen,
saudosa escola de saudosos alunos
– Ó, Homem, tu és livre?
– Libérrimo!
– Podes fazer o que quiseres?
– Tudo!
– Voa, então, ó ser terrestre, recorta o céu como uma águia!

segunda-feira, 1 de junho de 2009

Eterno Sísifo

pra Lu & Mari
Envelhecer é uma injustiça. Desde já aviso, contudo: não me refiro ao inevitável fato de que nos tornaremos velhos, subentendendo-se com isso frágeis e um tanto desmemoriados, nem me refiro ao risco da decrepitude. Sequer aludo à velhice concebida como rabugice, da qual muitos, aliás, não padecem. É envelhecimento a passagem da infância à adolescência e à madureza, conquanto sobre ela não recaia o peso da vetustez. E é ela, essa passagem, que tenho em mente quando afirmo a injustiça.
Pensemos nas crianças, quando ainda bem crianças, e em todas as pessoas que lhes sorriem, acariciam e, à distância, observam-nas com olhar cândido. Pensemos em todas as graças que lhes são ofertadas como que por recompensa à graciosidade que têm. Para elas, o mundo deve ser muito doce, pois, onde quer que estejam, basta ser o que são a fim de serem acolhidas com afeto. Uma mão espalmada sempre se estende. Tudo é afago, amparo, dádiva. Até que...
...cresçam. Basta começar a adquirir relativa independência, revelar e defender (às vezes de maneira estridente) as primeiras vontades, para que da mão venha a palmada, para que o riso se converta em careta, para que o presente se transmute em barganha. Não é nada doce suportar transformação tão radical. Para onde foi toda aquela amabilidade? Por que o mundo anteriormente receptivo se faz repressor? Por que o condescendente sim evolve para retumbante não? E olha que nem é necessário demonstrar desejos absurdos (há mesmo desejos absurdos?) ou opiniões heterodoxas (ortodoxia, o que realmente é?), caso nos quais se aprofunda ferozmente a negação. Não é curioso que o período em que mais somos acolhidos coincida com aquele no qual ainda não nos estabelecemos enquanto sujeitos? Por que a constituição de nossa personalidade caminha pari passu com a recusa alheia de nossa autonomia? É instigante pensar que as oposições se iniciam justamente quando deixamos de ser uma massa amorfa e passamos a delimitar nossa forma própria. Que sentido há no esforço de nos encaixarem em fôrmas pré-determinadas mesmo quando o molde que queremos nos dar é possível e legítimo, ainda que por ventura excêntrico?
Embora todos nós experimentemos um certo nível de recusa, que é inevitável e até salutar, há casos de nãos sistemáticos em que se veda à pessoa a possibilidade de manifestar seu próprio ser. O mundo, outrora afável, torna-se contumaz algoz, terrível ditador com porrete em punho. É assustador imaginar nosso ser reiteradamente negado, situação que apenas poucos conseguem redargüir com um sim antitético e voraz, como há de ser a consciência da própria condição, a pujança dos desejos autênticos. É como se, todos os dias, tivéssemos recusado nosso passaporte de entrada no teatro humano e fôssemos obrigados a solicitá-lo ininterruptamente. Por que algumas pessoas têm seu papel insistentemente cortado? Sua postura, seus anseios, movimentos e modos – sua fala? Recusar-lhes reconhecimento significa acachapar a tentativa de se afirmarem como indivíduos e obterem a tranqüilidade para serem o que são. Haverá crime mais desumano? É dilacerante a todo tempo ter de defender-se das pauladas do mundo e ainda angariar forças para perseverar. Tenho dificuldades em dimensionar a dor dos que se defrontam com tamanha peleja. Não são poucos que a enfrentam e sucumbem. Envelhecer é mesmo uma injustiça. Mas para alguns é uma injustiça ainda mais injusta.