quinta-feira, 25 de fevereiro de 2010

Quando o retorno é uma nova partida

Dizem que o bom filho à casa torna. Não sei de onde vem tal ditado, incerto como outros da tradição popular, nem bem o que significa. Penso nos maus filhos: eles não retornam... O que isso quer dizer? Será que abandonam os pais na velhice? Ou perdem suas raízes a ponto de não mais se identificarem com o passado que os formou? Já os bons, esses voltam, mas qual o sentido do retorno? – Quem sabe? Quem saberá?

De certo, apenas o seguinte: só retorna quem partiu, quem ousou ou teve de se separar, quem enfrentou o medo de pôr os pés em terra incógnita, rompendo vínculos antigos, sem saber o que lhe adviria; só retorna quem não deixou a distância corroer os laços pretéritos, quem cativou a boa memória, mantendo acesa a chama do afeto e da falta.

Com o regresso, entretanto, como ficam as novas amizades? As descobertas? Os colegas interessantes? A paisagem até então desconhecida? Tudo que ficou por explorar? E o novo amor? Como fica o futuro que se previa ter, desfeito pela volta à origem? E a coragem para mais uma vez recomeçar, donde há de vir?

É inegável: permanência e volta são, ambas, desafiadoras e dolorosas. Para quem manteve o peito aberto, para quem realmente calcou os pés na nova terra, o retorno implica deixar uma nova casa, a custo constituída, a fim de remontar à velha morada, que não se sabe mais como está. Ficar ou regressar são alternativas imponderáveis e por isso não há, como pressupunha o ditado, filhos maus ou bons. Quando o retorno é uma nova partida, enfrenta-se uma escolha radical: difícil como conviver com a saudade, difícil como dizer adeus.

sexta-feira, 19 de fevereiro de 2010

Reino dos Reis

Ando cansado de ser súdito. Há demasiados reis e rainhas no Brasil. É estafante e infantil: rei Pelé, rainha Xuxa, rei Roberto Carlos, Reiginaldo Rossi, fora os reis Momo, as rainhas da bateria, as rainhas do carnaval, o rei do gado, a rainha do acarajé e os Orleans e Bragança!
(Pergunto-me se entre os indígenas de Pindorama havia soberanos dessa natureza. Desconfio que não. É muita tolice: deve ser herança européia ou invenção jornalística.)
O que há conosco para aceitar tantos reinados? Que estranho ímpeto é esse de acolher soberanos como pais ou deuses? É o anseio sebastianista pelo salvador da pátria? Ou só necessidade de mais ídolos? Por que tanto desejo de ser vassalo? Por que a resistência em assumir a própria história? Por que a recusa da independência? Por que a eterna infância? Ou será o sonho de ter o rei na barriga ou ser a rainha da cocada preta?

quarta-feira, 10 de fevereiro de 2010

Do Barulho

Aprecio o silêncio. Considero-o, por uma série de razões, essencial para viver bem. Não sou o único, mas componho um grupo cada vez menor, infelizmente.

Olhemos nossas cidades: (i) as lojas têm estéreos voltados para a rua, ora anunciando pseudo-promoções, ora estrondando músicas populares, (ii) carros passam tendo o som no máximo, alguns com enormes parafernálias a roubar o espaço do porta-malas, (iii) ônibus e caminhões, de velhos ou mal-feitos, parecem máquinas de ensurdecer, (iv) as pessoas falam cada vez mais alto, sobretudo ao telefone; (v) bares disputam a freguesia aos decibéis; (vi) igrejas evangélicas fazem o mesmo com fiéis; (vii) até alguns postes, outrora mudos, possuem caixas de som a alardear estações desconhecidas. E isso para não falar em vizinhos sem educação, torcida de futebol, foguetes e buzinas fora de hora, sonorizadores de portão, alarmes anti-furto, ano eleitoral, camelôs...

Conta-me uma amiga que, durante um tempo, andou intrigada com um grilo dentro do seu quarto sempre que ia dormir. Coisa estranha, dizia ela, estranha mesmo, pois, por mais que o procurasse, jamais achava o bicho, apenas o ouvia. Daí foi aconselhada a procurar um médico e descobriu que não havia grilo algum. O cricrido era um dano causado pela poluição sonora a que estava submetida, obrigada que era a trabalhar no hiper-centro urbano.

Olhemos para nós: com ou sem cricrido, todos perdemos o sossego. Freqüentemente, nem mesmo em casa temos paz, já que a tecnologia permite às pessoas assistir TV ou escutar música numa altura lastimável. E o terrível é que quanto pior a escolha, mais alto o volume!

Urge reinventarmos a lei do silêncio. Avanço, portanto, uma primeira proposta: acima do tolerável, nada mais que gargalhadas, gritos de desespero, bagunça infantil, som de ambulância, ronco de avião e, para os carnívoros, marteladas no bife. Nos demais casos, multa; repetindo-se o erro, prisão; havendo reincidência, exílio. Custe o que custar, há que se dar fim à zueira! É questão de saúde, como minha amiga comprova.

Olhemos para o futuro: a continuar como está, ou ficaremos todos moucos ou ficaremos todos loucos! E o silêncio, mais do que nunca, será do barulho.