quarta-feira, 10 de fevereiro de 2010

Do Barulho

Aprecio o silêncio. Considero-o, por uma série de razões, essencial para viver bem. Não sou o único, mas componho um grupo cada vez menor, infelizmente.

Olhemos nossas cidades: (i) as lojas têm estéreos voltados para a rua, ora anunciando pseudo-promoções, ora estrondando músicas populares, (ii) carros passam tendo o som no máximo, alguns com enormes parafernálias a roubar o espaço do porta-malas, (iii) ônibus e caminhões, de velhos ou mal-feitos, parecem máquinas de ensurdecer, (iv) as pessoas falam cada vez mais alto, sobretudo ao telefone; (v) bares disputam a freguesia aos decibéis; (vi) igrejas evangélicas fazem o mesmo com fiéis; (vii) até alguns postes, outrora mudos, possuem caixas de som a alardear estações desconhecidas. E isso para não falar em vizinhos sem educação, torcida de futebol, foguetes e buzinas fora de hora, sonorizadores de portão, alarmes anti-furto, ano eleitoral, camelôs...

Conta-me uma amiga que, durante um tempo, andou intrigada com um grilo dentro do seu quarto sempre que ia dormir. Coisa estranha, dizia ela, estranha mesmo, pois, por mais que o procurasse, jamais achava o bicho, apenas o ouvia. Daí foi aconselhada a procurar um médico e descobriu que não havia grilo algum. O cricrido era um dano causado pela poluição sonora a que estava submetida, obrigada que era a trabalhar no hiper-centro urbano.

Olhemos para nós: com ou sem cricrido, todos perdemos o sossego. Freqüentemente, nem mesmo em casa temos paz, já que a tecnologia permite às pessoas assistir TV ou escutar música numa altura lastimável. E o terrível é que quanto pior a escolha, mais alto o volume!

Urge reinventarmos a lei do silêncio. Avanço, portanto, uma primeira proposta: acima do tolerável, nada mais que gargalhadas, gritos de desespero, bagunça infantil, som de ambulância, ronco de avião e, para os carnívoros, marteladas no bife. Nos demais casos, multa; repetindo-se o erro, prisão; havendo reincidência, exílio. Custe o que custar, há que se dar fim à zueira! É questão de saúde, como minha amiga comprova.

Olhemos para o futuro: a continuar como está, ou ficaremos todos moucos ou ficaremos todos loucos! E o silêncio, mais do que nunca, será do barulho.

6 comentários:

  1. Querido amigo, me incluo na lista dos poucos que necessitam do silêncio para viver bem. Nem mesmo os doentes, podem melhorar sua saúde com a predominância do silêncio. E ainda falam que existe lei para o silêncio na área hospitalar. Hoje, passei a noite em um hospital e percebi que não há um segundo sequer de silêncio. Nem dentro ou fora da instituição.Tudo tem seu barulho, funcionários noturnos que se acostumam com o ambiente e trabalham como se estivessem em uma feira, onde seringas, soros fisiológicos ou até mesmo os pacientes são distribuídos e organizados como sacolas de frutas. Cada um em seu tom, percebi que para ter repouso e sarar é necessário ir para casa.

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  2. Querido Fl. Apoio irrestrito à nova lei do silêncio! E ainda sugiro que o silêncio seja elevado à categoria das várias maneiras de se relacionar e interagir com os outros. Que não mais sejamos obrigados a falar e falar, só por que o outro não suporta nem compreende o silêncio. Que coisa boa seria, trocar silêncios ao invés de palavras inúteis e por vezes falsas..
    Para mim é um luxo necessário, ter silêncio, como alimento da alma. Mas os muitos outros gostam de seguir atordoados, entorpecidos, embalados por sons que os afastam de si mesmos e dão uma ilusão de alegria e felicidade.É uma pena.
    Abraço pra você,
    Rios

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  3. Já dizia Heráclito, escutar é preciso...
    Mas nas paisagens sonoras conturbadas d'hoje em dia, qual o sentido que podemos retirar?

    Fico me perguntando o que os meus vizinhos tanto arranjam para reformar em suas casas... Será a infelicidade do cotidiano sendo amenizada por novos azulejos?
    E as buzinas? Estava elaborando uma teoria de que na sexta-feira fica pior, já que os mesmos buzineiros já passaram por este mesmo engarrafamento a semana toda, e, enfim, só Deus sabe de onde vem esta crença de que buzinas fazem os engarrafamentos se dissiparem...

    Um dia largo as encruzilhadas comerciais da cidade e vou auscultar os silêncios barulhentos dos grilos e dos sapos (de verdade).
    Lá, como diria Manoel de Barros, "os silêncios me praticam".

    Um abração, meu velho.

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  4. (...)

    Com relação ao Do Barulho você expressou muito bem um problema tão grave, que se tornou normal e até necessário para muitos. Já ouvi pessoas falarem que não suportam o silêncio, é tedioso, só não consigo entendê-las.

    (...)

    Se continuar como está, o silêncio vai entrar para a História como os dinonssauros, extinto. Restará alguns "silenciólogos" fazendo pesquisas para tentar entender o que um dia foi o silêncio. Os dinossauros deixaram seus fosséis e o silêncio deixará o que? Já que é tão fácil de ser quebrado e desfeito.

    (...)

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  5. ficaremos roucos, pois se já não escutamos também não somos mais ouvidos, até a mudez completa e aí compreenderemos o silêncio, que se imporá. mas nós não veremos isto...
    e é só uma hipótese...

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  6. Sss
    Busco e encontro o silêncio.
    Aquele saudável; prazeiroso? sim. Mas també o que é inefável...simplesmente é, .
    Loucos, roucos, moudos.
    Surdo-Mudo: sentidos em (des) harmonia.
    Brinco, quando e como uma criança, com a cigarra, sisisi, barulhinho bom. Som de...natureza, dentro e fora.
    Silêncio, externo e interno.
    Grata.

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