terça-feira, 23 de março de 2010

Tempus Fugit


Recentemente, fui acometido por um forte sentimento de efemeridade da vida. Consigo imaginar algumas razões para que tenha despontado com tanta força nos últimos dias, sentimento esse que vez por outra me acompanha, mas sinto-o agora como nunca antes, sinto-o como um desejo candente de viver e desfrutar bons momentos.

Ando cada vez mais descrente de grandes sentidos, epopéias e outros absolutos. Volto-me à vida miúda, às pequenezas do dia-a-dia, e tenho-as em alta estima: um café com a mulher amada, uma caminhada com um velho amigo, uma brincadeira com o primo criança. Já que estamos sob a sombra da morte, o que mais nos resta senão aproveitar os bons instantes?

Todos sabemos, como é comum dizer, que a vida passa, que tudo passa, que todos morreremos, que a vida é breve. Isso se tornou proverbial. Entretanto, de tão batido, perdeu o significado. Falando como papagaios, inconscientes do sentido do que pronunciamos, escapa-nos a tarefa mais importante: integrar o discurso à vida, transpor a louvação do presente da palavra à carne.

Assumir a mortalidade, a finitude de nossa existência, é mesmo algo difícil. Não é à toa que inúmeras tradições valeram-se de artifícios mnemônicos para manter à luz a incômoda verdade: o tempo é fugaz. Um preceito, uma caveira, uma ampulheta, a imagem de nuvens, uma bolha de sabão, mandalas de areia – tudo o que nos indica a impermanência nos remete ao essencial. Só há sabedoria na morte.

5 comentários:

  1. Mesmo que me censurem, justamente, a ousadia, eu arrisco dizer que isso é manifestação do dasein... Um beijo, Lu

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  2. Tens razão, como sempre, ou quase. Saber que vamos morrer, é sabedoria fácil de obter, mais difícil, inclusive, de aceitar; é sentir que vamos morrer.Ter olhos, e todos os sentidos, abertos para todos os momentos, reais ou irreais, posto que o sonho e a fantasia também formam a nossa vida, ainda que devam permanecer como sonhos ou fantasias.
    A vida nos escorre pelos dedos e termina sem que estejamos prontos, sem termos pago a nossa conta, ou bebido o último gole, que fica para sempre perdido.
    Por mais que nos preparemos, seremos pegos de surpresa, mas esperando ter a surpresa como certa, podemos morrer em paz, sem espanto, pois que é a vida, merecedora de espanto, e não a morte, tão certa.
    Os bons momentos...que bom reconhece-los, sentir seu sabor, guardá-los na memória.
    Que felicidade, morrer satisfeitos, repletos de recordações dos bons instantes que fomos capazes de viver e reconhecer.
    Abr. Rios.

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  3. olá meu caro, mais uma vez de passagem por aqui e sempre me deparo com reflexões bastante pertinente sobre como ser ou somos,não no sentido daquela profusão de idéias da ontologia mas no sentido da efusão de sentimentos que de pouco em pouco preenche os minusculos cantos do cotidiano.

    hoje eu tinha uma conversa com um outro cara dado a essas experimentações virtuais de pensamento que são os blogs sobre algo parecido com o que escreves aqui. eu lamentava, ou reclamava, do proque das coisas não seguirem uma certa constância, de como eu e os outros forma mudando ao adentrarem no rio da vida buscando construir algo. ultimamente, exceto as 'dialéticas', muito pouca coisa tem me despertado interesse, nem os 'abslutos' e nem os trivias despertam em mim grandes entusiasmos. no meu caso acho que vivo um momento de transição (no fundo sou mesmo dividido entre entusiasmo e angústia) mas esse é o meu caso. e as pessoas cotidianas? parece que quando chegamos a uma certa idade, depois de termos arriscao parte de nossas adolescencia e juventude experimentando chega um momento que inconscientemente optamos por mais sobriedade e segurança, queremos "um café com a mulher amada, uma caminhada com um velho amigo, uma brincadeira com o primo criança" e isso parece de um certo modo uma renuncia a procura pelos 'absolutos' como se deles nós desistíssemos. ora, acho que nos fragmentos que somos já existem 'absolutos' por demais, eles estão-aí como que um nódulos a ser dissolvido por nós.

    penso que se o tempo foge e é para a morte que ele nos conduz que saibamos aprender a desvendar e a desembolar os 'absolutos' do cotidiano. muito obrigado por mais esse opúsculo de tamanha sabedoria.

    abraços,

    Bernardo Reis.

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  4. A única permanência é a impermanência?

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  5. Bom dia, amigo!
    Passando, mais uma vez, para refletir o seu real.
    Desta vez, resolvi compartilhar a minha reflexão. ;)

    Ando cada vez mais descrente de grandes sentidos, epopéias e outros absolutos.
    Ainda agora, estava conversando com um amigo à respeito deste "sentido" - inclusive, foi o que me remeteu, subitamente, à leitura do seu blog, e me levou a encontrar este post.

    Até que ponto é cabível dizer que procuramos ou encontraremos um sentido? Se acaso ele existisse, e o encontrássemos, todos num só tempo, seríamos subjetivos, ou bem mais iguais do que o que imaginamos poder ser? Os "super-heróis" possuiriam, ou não, poderes análogos?

    Só há sabedoria na morte.
    Então, caro amigo, seja feliz! Não há sentido a buscar. Que mais é o sentido além de sabedoria? (complexo)

    (...) um café com a mulher amada, uma caminhada com um velho amigo, uma brincadeira com o primo criança.
    Bom mesmo são as pequenezas do dia-a-dia, pois nos fazem "sentir", sem que estejamos sempre em estado de alerta, buscando um "sentido".

    Se eu não continuo sonhando, que sentido teria minha vida?
    Sabina Spielrein (do filme Jornada da Alma)

    Um beijo,
    Anne Crystie.

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