sexta-feira, 23 de abril de 2010

Atentada Tradução VI: Baudelaire

Petits Poèmes en Prose
XXXIII – Enivrez-vous
Il faut être toujours ivre. Tout est là : c’est l’unique question. Pour ne pas sentir l’horrible fardeau du Temps qui brise vos épaules et vous penche vers la terre, il faut vous enivrer sans trêve.
Mais de quoi ? De vin, de poésie ou de vertu, à votre guise. Mais enivrez-vous.
Et si quelquefois, sur les marches d’un palais, sur l’herbe verte d’un fossé, dans la solitude morne de votre chambre, vous vous réveillez, l’ivresse déjà diminuée ou disparue, demandez au vent, à la vague, à l’étoile, à l’oiseau, à l’horloge, à tout ce qui fuit, à tout ce qui gémit, à tout ce qui roule, à tout ce qui chante, à tout ce qui parle, demandez quelle heure il est ; et le vent, la vague, l’étoile, l’oiseau, l’horloge, vous répondront : « Il est l’heure de s’enivrer ! Pour n’être pas les esclaves martyrisés du Temps, enivrez-vous ; enivrez-vous sans cesse ! De vin, de poésie ou de vertu, à votre guise. »
Pequenos Poemas em Prosa
XXXIII – Inebriai-vos
É preciso estar sempre ébrio. Tudo se resume a isso: é a única questão. Para não sentir o horrível fardo do Tempo que abate vossos ombros e vos verga em direção à terra, é preciso inebriar-vos sem trégua.
Mas de quê? De vinho, de poesia ou de virtude, à vossa escolha. Mas inebriai-vos.
E se às vezes, sobre os caminhos do palácio, sobre a erva verde de um canal, na solidão morna de vosso quarto, vós vos acordardes, a ebriedade já diminuída ou extinta, perguntai ao vento, à onda, à estrela, ao pássaro, ao relógio, a tudo que foge, a tudo que gemi, a tudo que gira, a tudo que canta, a tudo que fala, perguntai que horas são; e o vento, a onda, a estrela, o pássaro, o relógio, vos responderão: “É hora de se inebriar! Para não serdes os escravos martirizados do Tempo, inebriai-vos; inebriai-vos sem cessar! De vinho, de poesia ou de virtude, à vossa escolha.”

quinta-feira, 15 de abril de 2010

De Riso e Giz

Nunca amar / o que não / vibra
Nunca crer / no que não / canta
Orides Fontela

Durante toda minha carreira estudantil, sempre me chamou a atenção o fato de os professores não rirem. Com raras exceções, na maior parte dos casos presas a momentos realmente cômicos, eles sempre mantinham uma feição exígua ou taciturna, como se silenciosamente dissessem que o saber é algo duro, exigente e, portanto, incompatível com o riso e a alegria.

Acho que a academia resiste à alegria tal qual fosse superficial, talvez leviana, indigna de se pôr ao lado de um conhecimento tido como profundo e rigoroso. A felicidade, esta é a impressão que se tem, não passa de uma ilusão dos tolos. E o riso, ora, só é pertinente sob a forma da ironia ou da sátira.

Com a postura de nossos professores, aprendemos, sem que ninguém nos dissesse, que a alegria e também a leveza não calham bem para os que se pretendem intelectuais e eruditos. A intelligentsia deve ser séria. É preciso sempre manter o olhar cinzento sobre o mundo e a vida, a crítica mordaz às “massas”, a rigidez própria dos que são incapazes de valorizar o simples e o imprevisto. Até quando, contudo, esqueceremos que por trás de todo esforço reflexivo reside o impulso para superar a dor de existir e dar-lhe um sentido que nos satisfaça?

Convém evocar Clarice: “a subida mais escarpada e mais à mercê dos ventos é sorrir de alegria.”