segunda-feira, 28 de junho de 2010

Citação V: Mario Quintana

Conta-se que em fins do século passado, num remoto país do Oriente, a viagem da capital à fronteira levava nada menos que trinta dias, e ainda por cima a lombo de camelo. E sucedeu que um engenheiro britânico ali residente, em nome do progresso, resolveu remediar a coisa.
– Enfim – conclui ele, após uma audiência com o respectivo xá, ou coisa que o valha –, construindo-se a estrada de ferro de que o país tanto necessita, a viagem até a fronteira poderá ser feita em um só dia!
– Mas – objetou o velho monarca, que o ouvira com uma paciência verdadeiramente oriental – o que é que a gente vai fazer dos vinte e nove dias que sobram?!

terça-feira, 15 de junho de 2010

Jornalístico

graças a Moacyr Scliar
para os amigos professores
“A Polícia Militar do Pará vai abrir procedimento administrativo para identificar os policiais envolvidos em um vídeo postado no último sábado no You Tube. Nas imagens, os policiais fazem adolescentes apreendidos dançarem o hit baiano “Rebolation”. Para a PM, as imagens constrangem toda a tropa e a ação será punida. No vídeo, três adolescentes aparecem com as mãos para cima, encostados numa parede. Um dos policiais diz que vai gravar os três dançando o Rebolation e prepara o celular para a gravação. Os próprios PMs cantam a música e mandam que os adolescentes dancem. Durante a gravação, mandam os meninos sorrirem.” (CBN, O Globo, 01/06/2010 às 8:16)

Espancamentos e humilhações eles nunca aceitaram. Contudo, nunca se iludiram: eram minoria. E minoria mesmo. Tanto na corporação quanto na sociedade. O usual é bater, maltratar, deixar bem claro para o bandido (mesmo quando é só suspeito) quem manda e quem deve obedecer. Ainda mais em casos nos quais se lida com jovens, que, como todo mundo sabe, estão super-protegidos pelo Estatuto da Criança e do Adolescente. O certo – quem há de negar? – é logo dar uma sova para o garoto ficar esperto e tomar vergonha na cara.

Acontece que aquele pequeno grupo, que se recusava a espancar e humilhar, não partilhava desse ponto de vista. A truculência é nociva: deseduca e revolta. Se vivemos numa sociedade excludente, que produz e alimenta brutalidades, o que se precisa é do contrário. Como água sobre o fogo, deve-se combater a grosseria com a delicadeza. Era este seu princípio: nunca alimentar as chamas, mas extingui-las com seu exato oposto, mesmo que isso exigisse pulso firme.

Foi assim até o dia em que tiveram sua ação flagrada, ou melhor, gravada e lançada na internet. Naquela ocasião, tendo em mãos três jovens, eles fizeram o seguinte, como revelou o vídeo: na delegacia, puseram-nos sentados numa mesa bem arrumada, deram-lhes lanche e os obrigaram a ouvir Beatriz à exaustão, sempre na voz de Milton Nascimento. Depois, levaram-nos para fora, junto a um jardim de azaléias, e exigiram que cantassem a música. Os dois que erraram a letra tiveram de abrir ao léu o Viagem da Cecília Meireles e decorar o primeiro poema da página. Aquele pequeno grupo de policiais fazia tudo com rigor para não perder a autoridade, mas com cuidado e finura, embora se ouvisse uma ou outra invectiva.

Um verdadeiro crime, como disse o presidente da ordem dos advogados numa entrevista na TV, já que o episódio causou espécie. “Donde já se viu submeter jovens a isso? Subjugar, torturar psicologicamente? É preciso que se abra um processo administrativo, que se faça valer a constituição!” Não demorou para que os policiais, reconhecidos, fossem afastados de suas funções. Afinal de contas, não se pode coagir ninguém a nada, nem à beleza. Legal é só a detenção, o julgamento, a prisão.

segunda-feira, 7 de junho de 2010

Onírico II

Era setembro. Não te conhecia, embora soubesse de sua chegada. Você vinha de longe, como eu, arriscar a vida no desconhecido. Nunca nos havíamos visto, mas um anseio, uma profissão, um desejo incerto – alguns laços já nos uniam. Era o mistério. Sua mudança efetivou-se. Conhecemo-nos na casa de amigas e o trabalho cuidou de nos aproximar. Também a distância de tudo e todos. Era outubro. Houve um show à margem do rio. Bebemos, rimos, dançamos. Beijamo-nos. Compartilhamos a noite. Era o começo. Dormi nos seus braços e acordei para sempre.