sábado, 31 de julho de 2010

Atentada Tradução VII: Laura Riding

To One About To Become My Friend
Stand off!

I am stone.
You must tear your flesh to excavate my heart.

I am storm.
None can rest with me.

I am mountain.
Toil to the top, be there a solitary.

I am ice.
You must be frozen that I be melted.

I am sea.
I would not give you up again.

If this frightens you,
Stand off! Stand off!

Yet, would you be my friend,
I should be none of these to you.
Para Alguém Prestes a Tornar-se Meu Amigo
Para trás!

Sou pedra.
Tu tens de rasgar tua carne para escavar meu peito.

Sou tempestade.
Ninguém descansa comigo.

Sou montanha.
Vence o topo e torna-te um solitário.

Sou gelo.
Tu tens de congelar para que eu derreta.

Sou mar.
Não te daria a superfície.

Se isso te amedronta,
Para trás! Para trás!

Contudo, se fores meu amigo,
Nada disso te serei.

domingo, 18 de julho de 2010

Infância

pra Marilice Corona,
pela inspiração da pintura

Penso que não é causar escândalo dizer que a infância não existe. Reconheço, claro, a distensão temporal que compreende os primeiros anos de nossas vidas, mas não é a ela que me refiro. Refiro-me à forma como, já adultos, normalmente voltamos os olhos para nossos anos de meninice, na forma como tendemos a pintá-los com cores fortes e imaginárias, transformando a infância em algo bem diferente daquilo que foi.

Uma criança não sabe o que é a infância. Ela não se pergunta sobre a fase que atravessa, não se preocupa em atribuir-lhe sentido. A criança apenas vive. É o adulto que a elabora e, marcado pelas experiências que o tempo lhe legou, constrói-a em contraste com a madureza e as dores inerentes à maioridade. Trata-se de um movimento análogo ao da religião: inventamos um paraíso do qual decaímos e que jamais existiu.

A infância é criação de adulto, cunhada quando se percebe que os desejos mais profundos não se concretizaram nem se concretizarão, que os sonhos foram frustrados, que o decorrer do tempo ceifou as esperanças. Consciente da rudez do real e premido pela nostalgia, o adulto refaz o passado a fim de justificar a própria existência, como quem quer provar que ao menos algo valeu a pena. Adultos que somos, lançamos sobre a infância os faróis da memória e da fantasia para transfigurá-la numa história fantástica, como se, alçando-a à categoria do idílico, pudéssemos redimir tudo que a vida nos tolheu, como se, com uma pequena luz, pudéssemos iluminar o breu.
PS: E quantas infâncias não temos...