sábado, 28 de abril de 2012

Etiqueta


É impossível – e falso – dizer que todas as pessoas que vão para a balada têm como objetivo principal ficar com alguém. Há muita gente que sai exclusivamente para beber um pouco e dançar, sem a preocupação de pegar ninguém, e certamente há muitos outros fins a guiar quem está na noite. Só que boa parte das pessoas, como bem sabemos, vai mesmo para a balada a fim de beijar e otras cositas más, se por ventura rolar. As boates reúnem um monte de peças que estão à flor da pele, loucas para encontrar seu encaixe. Há uma urgência, a do desejo aflorado, que, aliada à altura do som e ao movimento da dança, acaba por resultar num ambiente de pouco diálogo e muitas interações. É como se houvesse uma equação: som alto + ânsia em ficar com alguém = pouca conversa e pegação. Se a potência das caixas de som não convida ao diálogo e quero logo pegar alguém, por que vou perder tempo rendendo assunto?

Entretanto, se a finalidade é ficar com alguém, é preciso que as pessoas se comuniquem, demonstrem seus desejos umas às outras e assim construam os elos que permitirão as abordagens ou fecharão as portas para a aproximação. Essa comunicação, é desnecessário dizer, não se faz com palavras. É por meio de um diálogo não-verbal que os desejos se entendem, em especial quando estamos na pista. Tudo ou quase tudo se resolve pelo olhar e a aproximação apenas concretiza aquilo que já havia sido acordado silenciosamente. Como conseqüência, a conversa se torna um excesso a ser evitado e, quando existe, opera como uma formalidade, já que as abordagens diretas, o “chegar chegando”, podem soar grosseiras, mesmo quando os olhos já disseram sim.

Tal é a dinâmica da balada, ao menos como me parece. Para os habitués da noite, talvez seja possível detectar o tipo de abordagem mais eficiente a partir dos diferentes olhares. Há olhares oblíquos, vacilantes, acompanhados de um leve sorriso, da mão no cabelo. Há outros ostensivos, explícitos, quase opressivos. A comunicação visual é cheia de sutilezas que fazem com que a balada tenha um modo próprio de funcionamento, até mesmo uma etiqueta, da qual faz parte falar pouco. Na balada, na pista, sobretudo na pegação, o diálogo é quase uma gafe.

Um comentário:

  1. Surpreendente a delicadeza com que você tratou a balada - por muito que estejamos entre as luzes brancas dos monitores e das bibliotecas - achando ali, entre a multidão, prisma: os suaves gestos do silêncio, entre as muitas cores dos globos e das batidas. Lindo. Glauber!

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