segunda-feira, 30 de julho de 2012

Apologia à Noite


Sejamos verdadeiros: quem agüenta ser sério todo o tempo? Quem suporta o peso da coerência sem jamais incorrer em contradição? Quem nunca cometeu uma extravagância? Quem nunca disse “que se dane o amanhã, depois eu me viro”? Quem nunca?

E quem nunca beijou sem compromisso? Teve uma transa pela transa? Quem nunca se perdeu de tesão? Quem nunca se permitiu um álcool a mais? Dançou de olhos fechados curtindo o movimento do corpo? Quem nunca olhou de soslaio para conferir um rabo de saia? Ou um abdômen torneado? Quem nunca?

Quem nunca sonhou acordado com prazeres secretos? Ou mergulhou no sexo esquecendo-se de si? Quem nunca foi para a noite à flor da pele? E escolheu seu par pelo rosto, pelo peito ou pela bunda? Quem nunca se arrependeu de um monte de coisas? E as repetiu pouco depois? Quem nunca fingiu-se contido fervendo por dentro?

Quem nunca condenou os outros e se viu fazendo o mesmo? Quem nunca teve inveja de quem realiza um desejo proibido para nós? Quem nunca quis ser puta? Quem nunca quis bater? Apanhar? Quem nunca caiu de boca?

Quem nunca desejou a loucura? Ardeu de desejo? Quem nunca quis tudo neste instante agora? Correr como um cavalo? Lançar-se num precipício? Quem nunca quis só o prazer? Quem nunca agiu sem pensar e viu que foi bom?

Sejamos verdadeiros: alguém nunca?

terça-feira, 17 de julho de 2012

Do Impossível II


Ainda pensando sobre a noção de certeza para qualificar os relacionamentos, tenho me detido na fórmula “pessoa certa”. Acho-a intrigante e me pergunto o que de fato significa. Evidentemente, meu interesse não é fazer um inventário das combinações de qualidades a que nos apegamos ou defeitos que nos repelem. Essa seria uma tarefa inglória. Cada um define a “pessoa certa” conforme seus desejos e limitações, e eu, felizmente, estou livre do impulso de julgar a preferência alheia. Reconheço a diversidade de nossas inclinações e tendo a acreditar que os mais variados tipos podem encontrar seu par, se é mesmo verdade, como brincava minha avó, que não há pé fedido que não encontre seu sapato.

Entretanto, a despeito de toda variação que pode haver em nossas preferências, creio ser possível apontar um ponto comum. Não me refiro a uma qualidade que todos busquemos, mas a um padrão de comportamento: ao pensarmos em termos da “pessoa certa”, concentramos nossa atenção no outro, no objeto do amor, e inevitavelmente depositamos sobre ele as expectativas para o relacionamento vingar. Raciocinamos mais ou menos assim: “quando aparecer a “pessoa certa”, vou conseguir me abrir e me entregar, vou conseguir ser e fazer o que sempre quis e nunca dei conta”. O pressuposto desse raciocínio é que estamos prontos para amar. Se ainda não amamos, é porque a “pessoa certa” não apareceu, porque não tivemos a sorte de topar com ela.

E é justamente esse pressuposto que merece ser analisado. Se a “pessoa certa” vier a aparecer, estaremos mesmo preparados para amar? No ideário da “pessoa certa”, nós nos preocupamos em ter claras as qualidades que buscamos e estamos sempre afiados para avaliar as pessoas que conhecemos, normalmente para apontar algum aspecto que não nos satisfaz. Mantemos os olhos voltados para fora, por assim dizer, e freqüentemente pouco nos importamos em voltá-los para nós. É claro que o outro é fundamental, que temos de encontrar alguém com que nos identifiquemos. No entanto, penso que nos enganamos com a ênfase dada ao objeto do amor, porque deixamos de nos perguntar sobre nossa capacidade de amar. Tendemos a tomá-la como dada, como se a tivéssemos de antemão, como se realmente estivéssemos prontos. Acredito, com toda sinceridade, que não poderíamos estar mais iludidos.

quarta-feira, 11 de julho de 2012

Do Impossível I


“Enquanto não encontro a certa, vou me divertindo com as erradas”, disse-me um amigo para explicar seu comportamento, quando ainda éramos adolescentes. De lá pra cá, acho que pouca coisa mudou, embora já não sejamos tão jovens. Uma certa maturidade deixa-nos mais cuidadosos e seletivos (sim, há exceções), mas isso não quer dizer que a fila estacione...

Na realidade, é muito difícil encontrar a pessoa certa. Existe, aliás, a pessoa certa? Quanta sorte precisamos ter para encontrá-la? Ou é nossa disposição interior que torna alguém certo? É muito cômodo pensar que a questão resida exclusivamente no outro. Entre outras coisas, nós nos eximimos de responsabilidade quando estamos sós (a pessoa certa ainda não apareceu) e quando o relacionamento não dá certo (a culpa era do outro, inadequado para nós). Ainda que a custo do auto-engano, pensar assim é reconfortante, pois fica mais fácil mascarar nossos defeitos e menos doído engolir as decepções que enfrentamos.

Convém notar, entretanto, como empregamos as noções de certo e errado para tratar dos relacionamentos: buscamos a pessoa certa, na hora certa, para que o relacionamento dê certo. Não é estranho? O relacionamento é para dar certo ou para ser bom? Ou será que ele só pode ser bom se for certo? Pelo que nossas falas revelam, somos assombrados pelo fantasma da certeza. Queremos segurança. Importa-nos ter garantias, sobretudo quanto à fidelidade e duração, mas também quanto à nossa intimidade. É assim que ainda vivenciamos os relacionamentos quando os queremos sérios (reparem o adjetivo: sério). Talvez tudo isso indique uma incapacidade de lidar com nossos medos, uma necessidade de nos proteger de antemão das inevitáveis desventuras. Não queremos correr riscos quando se trata do amor. Queremos o impossível.