quarta-feira, 29 de agosto de 2012

Don Juan


Há quem pense que o Don Juan gosta de mulheres. Não é verdade. Ele gosta da conquista. Interessa-lhe ter uma mulher depois de outra para afirmar continuamente sua capacidade de seduzir. Num certo sentido, as mulheres são irrelevantes para ele, já que seu prazer está em possuir e descartar. Talvez se possa dizer que o Don Juan é um grande vaidoso e que está voltado exclusivamente para si mesmo. Ele jamais se envolve, jamais se abre, apenas usa as mulheres para reiterar seu poder. Acredito que seja, por causa disso, um grande solitário. A solidão, aliás, é a marca que acompanha quem tem uma fila longa e sempre andando. As companhias fugazes não chegam a penetrar o reduto da intimidade, ainda que nos revelem os caminhos de seus corpos.

Não sei se podemos afirmar que o Don Juan é um canalha. Eu diria antes que é um sofredor, aprisionado que está na impossibilidade de se relacionar com o mínimo de aprofundamento. Quanto a mim, confesso que me identifico com o personagem. Se muitas vezes sou feito de idiota (ou me deixo ser tratado como tal), outras tantas sou eu quem chega, beija, transa e, no dia seguinte, não quer mais nada. Não é muito do meu feitio, mas seria falso recusar-me a admitir que às vezes faço dos encontros um mero passatempo ou uma oportunidade para descarregar a libido sem usar minhas próprias mãos.

Nesses momentos, sei que não vou me envolver afetivamente. Trata-se de divertimento e, por conseguinte, despreocupo-me em pegar o telefone, anotar o email e mesmo decorar o nome. Minha delicadeza consiste em deixar clara a natureza da relação. Ao tratar alguém como objeto, acho justo informar a outra pessoa que ela é descartável. Não nesses termos, evidentemente, porque há formas menos amargas de sermos sinceros. Don Juan é um galanteador e sabe obter da vítima o consentimento antes de sacrificá-la no altar de Eros.

quinta-feira, 16 de agosto de 2012

Idiotice Confessa


Confesso que tenho me sentido um grande idiota. Sinto-me idiota pelo modo como sou tratado no pós-balada, por assim dizer. Sabe aquilo de telefonar e não conseguir conversar direito? De mandar sms e não obter resposta? De ficar a ver navios? Sim, todos sabemos que os encontros da noite, na maioria das vezes, não resultam em nada mesmo. No entanto, não compreendo porque não podem render um diálogo, ainda que pequeno, no dia seguinte ou nos dias que se seguem ao encontro. Acredito que as relações, por mais superficiais que sejam, podem comportar um mínimo de gentileza, nem que seja a de um “não” sincero, que é muitíssimo melhor do que qualquer enrolação, pois evita que nos percamos em fantasias.

Em certa ocasião, ao desabafar com uma amiga, ela tentou me consolar dizendo o que muitos apontam: a balada é diversa e nela certamente há pessoas legais. O desafio é encontrá-las. Entretanto, à medida que a fila anda (a minha e a de meus amigos, cujas histórias acompanho) parece-me impossível fechar os olhos para um fato: há muitas pessoas na noite fazendo as outras de idiotas. É comum pedirem o número do celular e nunca telefonar; responderem mensagens de maneira lacônica; e isso para não mencionar os casos de mentira ou dissimulação. Pergunto-me, portanto: onde estão as pessoas legais?

No fundo, intriga-me o quanto temos dificuldade em sermos sinceros, em jogarmos limpo com os outros, como normalmente se diz. Se o interesse é apenas sexo casual, por que não pode ser dito com todas as letras? A amiga com quem eu conversava me aconselhava a não esperar muito das pessoas, a não esperar que sejam sinceras. Entretanto, temo que a conquista dessa indiferença exija a elaboração de uma crosta que, se me protege das indelicadezas e descasos, ao mesmo tempo me impede de aproximar-me intimamente das pessoas. Não faço cálculos, não fico medindo palavras ou atitudes com quem está ao meu lado, mesmo que por uma única noite. Sei que em meus momentos de sofrimento eu me culpo por ter me exposto mais do que deveria, por ter insistido num possível amor, a despeito dos sinais de desprezo. Nesses momentos, sinto-me a pessoa mais idiota do mundo e juro que, da próxima vez, será diferente. Nunca é – e eu já não me importo mais.

quinta-feira, 9 de agosto de 2012

A propósito do óbvio


Conheço poucas pessoas que vão a uma boîte para escutar música ou beber. Nem sempre o som é de boa qualidade, às vezes os DJ’s são amadores e o preço dos drinks e mesmo da cerveja é mais alto do que o de qualquer boteco. Sei de algumas pessoas, contudo, que vão para a balada para encontrar amigos da noite; outras, para dançar e curtir música alta, mas a maior parte – sejamos sinceros – está interessada na caça. O que importa é descolar uns beijos, quem sabe uma boa transa, já que amor é artigo raro, se é que existe.

É nessa toada, a do desejo à flor da pele, que os encontros se fazem. Na balada, eles não demoram a acontecer, eclodem depois do tempo necessário para se percorrer a boîte, ainda que apenas visualmente, a fim de se ter uma idéia da galera: se as pessoas são bonitas, se deu gente estranha, quem vale a pena, quem não vale. Não entro no mérito desse juízo estético, o qual contém um enorme componente sócio-econômico. Interessa-me antes ressaltar que as escolhas se fazem baseadas na aparência e que os encontros se dão numa velocidade ímpar. Não há tempo para a corte. Na balada, ao ver alguém que atrai nosso desejo, vamos logo ao ataque, partimos em busca da conquista.

E, como numa guerra, a estratégia é atingir o alvo sem delongas: queremos ansiosamente ocupar o território, derrubar o inimigo. Não podemos (pois temos concorrentes) e nem queremos (já que o desejo borbulha) perder tempo: olhamos ostensivamente, estabelecemos um diálogo que se quer minimalista. Tudo é muito claro, os códigos são facilmente decifráveis. Quem, por exemplo, não compreende o que significa o posso te conhecer? Todos sabemos que é um eufemismo para quero ficar com você!, não é verdade? A balada é muito óbvia, as aproximações prescindem de qualquer sutileza.

Acredito que quem freqüenta a noite adere a um acordo tácito, segundo o qual podemos ser explícitos na demonstração do desejo e, por conseguinte, também das recusas: um “não” chapado pode sempre ser lançado na nossa cara. A balada é direta, imediatista, contundente. Acho que por isso está tão ligada ao sexo, que se presta bem a ser simples e previsível. Ao mesmo tempo, acho que é por isso que a balada enfastia. Em determinados momentos, ela simplesmente se esgota, perde a graça, como um filme pornô. Viver no óbvio cansa. O obscuro, o sinuoso, o incerto nos faz muita falta. Precisamos do que é sutil e traiçoeiro. Daí falarmos em amor.