domingo, 10 de agosto de 2014

De banheiros e aplicativos



pra Gigi

Recentemente me mudei para o apartamento que foi da minha avó. Ele fica num prédio antigo cuja construção data do início dos anos sessenta, época em que toda a rua tinha apenas casas. Hoje já há vários edifícios, muito mais do que o desejável, e um enorme, de dezessete andares, começando a subir do chão. Boa parte deles é desses modernos, várias vagas de garagem, elevadores, guarita, alguns com janelas espelhadas. Tudo diferente deste antigo, o da minha avó, que não faz vista para ninguém, mas tem chão de taco de peroba do campo e quartos que, com folga, comportam cama e armário. Não me interessa espaço gourmet, espaço fitness, espaço kids, playgroud – nada dessas coisas batizadas com língua estrangeira. Estou com os antigos, que estavam atentos não às coisas da porta para fora, mas àquelas da porta para dentro, as quais têm nome no velho e bom português: quarto, sala, copa, cozinha, área e banheiro. Alguém precisa de mais?

Sim, há muita gente que precisa de mais. Uma das coisas que se destaca no apartamento da minha avó, como em muitos apartamentos antigos, é o fato de ter apenas um banheiro (nada de suíte, portanto). Um lar, uma família, um banheiro; um mesmo banheiro para todo mundo, inclusive as visitas, que para usá-lo precisam adentrar o apartamento e chegar ao corredor dos quartos. É bem verdade que o famigerado banheiro de empregada existe, fica no cantinho da área, mas lá está vassoura, rodo, pá, lixeira, escada; ninguém o utiliza, exceto em urgências urgentíssimas.

Confesso que estou achando muito interessante morar num apê com banheiro único e isso não apenas porque meu trabalho doméstico fica menor, dado que não tenho faxineira. O interessante em ter apenas um banheiro em casa é ter de compartilhá-lo com todo mundo, sobretudo com as visitas. A intimidade dos cremes e apetrechos, dos cheiros e inevitáveis pequenas sujeiras, da descarga meio emperrada, tudo está à mostra. Atualmente, toda vez que recebo família, amigos, amigos de amigos, já nem me preocupo em dizer “não repare a bagunça” ou coisa do gênero. Dividir banheiro me deixou uma pessoa mais desencanada, mais propensa a me desfazer de privacidades desnecessárias. Cá entre nós, a única atitude que tomo é fechar a porta opaca da pequenina área de banho: tenho vergonha de pêlos no sabonete.

Acredito que deve haver apartamentos novos com mais banheiro e lavabo do que quartos. Aliás, nesses tempos em que cada vez mais compartilhamos cada vez menos, o banheiro se tornou o emblema de nosso maneirismo. Andamos muito ciosos de nossa “intimidade”. Outro dia, um amigo me contou que foi conhecer o duplex de uns tios abastados e que, na suíte principal, havia um banheiro com duas pias e dois vasos. Tomei um susto. A continuar nessa toada, daqui a pouco vão inventar uma suíte com dois quartos!

A grande ironia é que, entre as invencionices atuais, mas para muito além dos apartamentos, foi desenvolvido um aplicativo para que as pessoas possam contar seus segredos. Tudo anonimamente, claro, ao menos em tese. Estes somos nós: incapazes de partilhar um sabonete com o irmão, a pia com a esposa, mas dispostos a dividir as confidências com o mundo.