quinta-feira, 30 de setembro de 2010

Útil - Uma Palavra

Por uma série de razões, ando pensando sobre a noção de utilidade. Ela é uma velha conhecida da filosofia, que sempre teve de se posicionar frente à acusação de inutilidade. Há mais de dois milênios, não falta quem diga que só importa o que podemos empregar na vida cotidiana, instrumentalizar de modo a conseguir alguma coisa de prático e vantajoso. Filosofia não mata a fome, não erige casas, não conserta a torneira, não extrai edemas, não aquece o corpo... A filosofia – não!

Acontece, contudo, que temos fome para além da comida, buscamos proteção para além das paredes, sentimos dores que não são do corpo, tememos um desamparo que penetra o lar. Basta nos permitirmos uma pausa e rapidamente nos apercebemos que a vida ultrapassa em muito as necessidades imediatas. Para viver bem, é insuficiente ater-se à satisfação dos anseios diretos e urgentes. Que o digam os abonados, senhores do tédio e fastio!

Se o pão, se o tijolo, se o martelo e mesmo o ouro têm valor, seu valor é o de instrumento. Eles nos permitem tocar os dias: são muitos úteis, portanto, mas apenas para pôr ordem na coxia do cotidiano e dar ensejo ao que se passa no palco. O fundamental não são as ferramentas, nem a preparação que antecede a abertura das cortinas. É a peça: a peça sem roteiro, sem marcas e sem direção em que dia a dia se desvela a história de nossos cacos.

terça-feira, 21 de setembro de 2010

Citação VI: Manuel Bandeira

Preparação para a Morte

A vida é um milagre.
Cada flor,
Com sua forma, sua cor, seu aroma,
Cada flor é um milagre.
Cada pássaro,
Com sua plumagem, seu vôo, seu canto,
Cada pássaro é um milagre.
O espaço, infinito,
O espaço é um milagre.
O tempo, infinito,
O tempo é um milagre.
A memória é um milagre.
A consciência é um milagre.
Tudo é milagre.
Tudo, menos a morte.
– Bendita a morte, que é o fim de todos os milagres.

domingo, 12 de setembro de 2010

Pensativamente

Acalento há muito tempo uma idéia que acho curiosa: pensar com o pé. É que pensamos muito, calculamos demais as coisas, especulamos em demasia as possibilidades, mas só com a cabeça. E o mundo parece não estar progredindo a contento... Será que não é chegado o momento de encetarmos novas formas de refletir?

Pensar com o pé, por exemplo, pode ser muito produtivo, a começar pelo fato de que levaríamos em conta o chão que pisamos, a cidade que habitamos, as pessoas com quem convivemos, coisas que muitas vezes deixamos de lado. Pensando com a cabeça, viajamos, vamos longe, como se diz, e esquecemos do que está próximo. Alcançamos o universal e tropeçamos no particular, que é nossa inevitável morada.

Quando comentei essa história com um colega, nos idos da universidade, ele ironizou. “Além da cabeça, só penso com a barriga. E ela ainda fala: ronc!, quando está com fome!” Dessa mesma época, lembro-me de um livro sobre Rodin que continha um elogio às mãos. Fiquei tocado: era outra forma de pensar, pensar com as mãos. Atualmente, tenho tentado enriquecer minha idéia original, acompanhando notícias da nossa sociedade. Todavia, tenho dúvidas se pensar com os músculos, à moda dos pit-boys, ou com a bunda, como as dançarinas & cia cada vez menos limitada, é mesmo pensar...

Certo é que jamais deixaremos de pensar. Mas também é certo que precisamos fazê-lo diferente. Está posta minha sugestão: pensar com o pé. Sei que soa estranho, mas acredito que merece consideração. Minha aposta é de que assim pensaremos melhor do que só com a cabeça e ainda teremos um antídoto a outro problema talvez ainda mais comum: pensar com o umbigo.