terça-feira, 25 de maio de 2010

Resposta

Surpreende-me a demanda que freqüentemente chega até mim por parte de meus alunos. “Mas qual é a resposta, professor?” “Não gosto de assuntos que não têm uma resposta exata.” Em classe, contenho-me, mas, entre amigos, confesso sem pestanejar: escuto com tristeza esse tipo de comentário. E a razão é simples: soa-me uma exigência absurda, uma demanda indigna – o que, na vida, possui uma resposta definitiva? Enfrentando a morte, procurando o sentido para a existência, perguntando-se o que é o amor, quem jamais encontrou a resposta final?

Reconheço que um anseio dessa natureza, o anseio pela resolução, seja recorrente, mas não consigo julgá-lo doutro modo exceto como tolo. Mais do que isso, julgo-o reflexo de uma incompreensão da vida. Quem, com sinceridade, poderia dizer que, ao observar o mundo, alcançou algo seguro, exato, permanente? É preciso lembrar que tudo está em movimento, que a mudança é a única realidade? E, se assim é, donde esse ímpeto pela fixidez?

Como professor, nada me resta senão acolher os estudantes e buscar introduzi-los, tanto quanto possível, no universo da incerteza, nossa única morada. Filósofo, repilo a brutal ignorância que é relutar contra a dúvida fundamental de todas as coisas, que é querer uma solução para as grandes questões da vida. Temos de aprender a navegar sobre as águas da perplexidade e do paradoxo, pois o essencial permanece sempre irrespondido. Para as grandes perguntas, a única resposta honesta é que resposta não há.

segunda-feira, 17 de maio de 2010

Onírico

Quando o sol está para nascer
e o orvalho ainda cobre a grama,
a criança desfruta do sonho
de que não se lembrará.

Ela brinca de bola
com amigos desconhecidos
num campo amplo, aberto como a infância.
Seus risos e gritos somam-se aos de seus companheiros
na dança incessante dos corpos de éter.
Nela, como nos outros,
o suor banha o rosto,
o movimento é ágil e leve,
fruto espontâneo dos passos sem cálculo.
Todos os meninos estão absortos
– ninguém olha o longe,
ninguém pensa em ser feliz –
e os pés não cansam de buscar o drible
no jogo – perfeito – em que é desnecessário vencer.

Neste instante, no qual toda a sede
é sede de brincar,
a criança nem desconfia
do que a vigília lhe ensinará:
o sonho é expressão da vida
e sua mais nítida contradição.

quinta-feira, 6 de maio de 2010

Clausura

…e somos de repente uns falsos acordados.
Cecília Meireles
Platão e Aristóteles diziam que a filosofia se inicia com o espanto, que o pensamento se instaura a partir de uma admiração ou surpresa que desarranja nossa visão de mundo e nos impele a reelaborá-la. Posto em xeque o universo dentro do qual sempre vivemos, somos conduzidos, segundo eles, ao caminho da reflexão, como quem busca reavaliar os marcos que balizam as fronteiras do próprio espírito.

É uma empreitada árdua, ninguém há de negar. Muito mais fácil é lançar sob o tapete, tentando abafar com o esquecimento, uma experiência que aponta para o novo, para algo que nunca antes havíamos considerado, para a necessidade de abandonar a zona de conforto que tradicionalmente nos protegeu e, exatamente por isso, nos impediu de crescer. Muito mais fácil é não correr riscos, abrigar-se no discurso do medo e do cuidado, quando precisa-se de coragem para a ruptura.

A verdade é que estamos conformados e, pior, perdemos a abertura para buscar novas formas. Andamos muito comodistas, satisfeitos com as vidinhas que temos e com as fabulações que tomamos por idéias. Se o espanto é realmente a origem da filosofia, como dizem os antigos, não é à toa que vivemos numa época em que se pensa tão pouco. Nada nos comove. Nada nos espanta mais. É de estarrecer.