segunda-feira, 1 de setembro de 2014

Carta pro Paulo



Paulo Hiroshi Araki, in memoriam

Paulo, meu querido, hoje faz exatos 13 anos e 2 meses da sua morte. Tenho aquele dia todinho na memória, em especial o começo da noite. Ter escolhido seu caixão, ter ido ao IML liberar seu corpo – experiência terrível! Você sabe, eu não podia fugir: seus irmãos morando em São Paulo, como deixar seus pais cuidarem dessa tarefa? Assim que soube do acidente, graças a conhecidos nossos que ouviram a notícia no rádio, fui direto para a sua casa. O Zao, que sempre latia e corria para assustar as visitas, estava prostrado. Para mim é claro que àquela altura ele já havia entendido tudo. Fui a terceira pessoa a chegar. O portão estava entreaberto e passei pela garagem chamando por sua mãe, que estava sendo amparada por um casal. Não teve jeito: foi abraçar e chorar. Seus pais conversavam em japonês, coisa que nunca havia visto. Confissões? Segredos? Dor? Sim, eles já tinham consciência de que você tivera o pescoço cortado por uma linha de cerol e que morrera na hora, embora ainda tenha guiado a moto alguns metros adiante antes de parar e cair.

Sabe, meu querido, você era como um irmão mais velho e hoje me é estranho pensar que sou mais velho que você. Aliás, bem mais velho: você ficou na casa dos 20, eu já vou pela metade dos 30. O Pedro, seu sobrinho, então recém-nascido, deve estar um rapaz, não tenho notícias. Como éramos amigos, como estávamos juntos pouco antes do acidente (se tivéssemos conversado vinte minutos mais, tudo seria diferente?), sinto que sua mãe sofre quando me vê e por isso respeito a distância. Tenho comigo o pedido que ela me fez no velório: “me diga alguma coisa”. Continuo sem ter o que dizer. Naquela manhã, já no velório, eu lhe dei um abraço, como fizera de noite, mas dessa vez só eu chorei. Acho que ela estava naquele ponto em que não se chora mais, em que o sofrimento se encontra com a exaustão. Seu enterro foi num jazigo no alto do cemitério e, depois que descemos, o Ricardo, seu irmão, brincou comigo: até no enterro o Paulinho dando trabalho... Eu fiquei de longe, sozinho, dimensionando o silêncio, observando o caixão baixar, cobrirem-no com terra. Na descida, seu outro irmão (esqueci o nome dele) veio me agradecer a força, mas é claro que era desnecessário.

Paulo, meu querido, esta é a primeira carta que te escrevo desde que você morreu. É curta, eu sei, como também sei que 13 anos e 2 meses é um intervalo muito longo sem dar notícias, mas espero que me perdoe. Talvez te console saber que penso em você com freqüência, mesmo que seja para meditar sobre a morte.

Forte abraço,
Saudades,
M. Centauro