Voltando à praça da estação para levar uns amigos ao Museu de Artes e Ofícios, lembrei-me de um conhecido que vi por lá há alguns anos e com quem, desde então, talvez não tenha mais me encontrado. Achava-o um pouco insistente, sempre me demandando muito, e recordo-me que, naquela ocasião, dei a resposta que sempre lhe dava ao me perguntar como eu estava: “estou colocando as coisas em ordem”. “Mas você está sempre colocando as coisas em ordem!”, ele me retrucou.
Devo admitir que empregava essa fórmula muitas vezes, normalmente com o intuito de esquivar-me de entrar em detalhes sobre minha vida frente a pessoas que, ao menos aos meus olhos, queriam avançar uma fronteira que eu desejava manter fechada. Penso que acontece com todos: algumas pessoas querem se tornar próximas de nós e nós, sem saber o porquê, não sentimos vontade de nos abrir.
Devo admitir ainda que, ao ser confrontado com o “mas você está sempre colocando as coisas em ordem!”, acabei percebendo algo que me passava despercebido. Essa fórmula, embora corriqueira, revelava uma verdade sobre mim: eu sempre me sentia ultrapassado pela vida, uma pessoa que não dava conta de elaborar tudo o que os dias oferecem e precisava se recolher para assimilar sentimentos e pensamentos.
Acontece que as coisas, ainda que tentemos, nunca ficam totalmente em ordem. Mais do que querer encontrar a ordenação perfeita da nossa vida, o melhor a fazer é aprender a conviver com uma certa desordenação. Colocar as coisas em ordem, agora vejo, representava um impulso para dar às minhas vivências um caráter coerente, englobá-las numa totalidade que conferiria significado à vida ou, ao menos, à minha vida.
Entretanto, hoje desconfio que dotar a vida de um sentido implica reduzi-la à nossa compreensão, implica podá-la de uma série de possibilidades que não se enquadram nos limites de nosso entendimento. Não falo aqui de preconceitos, pudores ou do politicamente correto e nem me interessa falar da recusa do impulso moderado de colocar as coisas em ordem, o que nada mais é senão a loucura e a perda da tão necessária e frágil lucidez. Falo do esforço descomunal de aceitar a vida em sua plenitude e consentir a suas contradições. Se não me iludo muito, hoje o essencial me parece ser a tarefa terrivelmente humana de abarcar o imponderável no peito e dizer, a cada manhã, bom dia.
Acho que essa desordem é, em alguma medida, boa parte do charme das coisas. Os fluxos da vida são caóticos e encantadores ao mesmo tempo.
ResponderExcluirTambém descobri que não é preciso se recolher para assimilar pensamentos e sentimentos (não é preciso sequer assimilar). O segredo é mergulhar na feitiçaria, mesmo que nem sempre faça sentido.
Que bom que voltou a escrever para nós todos.
ResponderExcluirEu andei colocando as coisas em ordem dentro de mim nos últimos tempos, para agora me lançar novamente à desordem natural da vida...
Beijo,