sábado, 18 de fevereiro de 2012

Por uma Filosofia da Balada II

Começo com uma confissão: sempre que vou pra balada, levo comigo um protetor auricular. O som nas boates é excessivamente alto e me fere. Além disso, sem o protetor, acordo no dia seguinte com um sino de igreja dentro da cabeça. Uma grande amiga, rindo de mim, certa vez me perguntou: “mas como você faz para conversar com as pessoas?” “Quem disse que as pessoas querem conversar?”, retruquei.

A noite é concebida de modo a inviabilizar o diálogo e quem tenta alongar muito um assunto certamente se torna um chato. A arquitetura da balada parece pensada para conformar um tipo de desejo que prescinde da fala ou a reduz ao mínimo (apenas o suficiente para a aproximação). Na noite, a atração não depende do discurso e do conhecimento do outro. A noite é o reino do olhar e, portanto, da aparência.

O ruído acachapante, o estímulo rítmico e o jogo de luzes fazem com que o interesse pelo outro se construa a partir de um não-saber. Quando duas pessoas ficam, não é porque se conheçam: elas se interessam não pelo que o outro é, mas pelo que o outro aparenta. No lusco-fusco e furor da dança, acentuados pela ausência de diálogo, abafado pelo som ambiente, tem-se do outro apenas uma imagem e é ela que move o interesse. Mas isso não é problema: quem entra numa boate sabe que outras formas de desejo ou excitação mal têm lugar ali. Num certo sentido, prevalece o desejo pelo desconhecido e superficial, pelo sinuoso e urgente.

O que se passa na noite é nada mais do que uma recusa da subjetividade. Na balada, ninguém se expõe, só se exibe. Sem o intermédio da palavra, nós nunca nos mostramos verdadeira e integralmente, pois a casca que se apresenta é uma parte ínfima e a menos importante de nós, ao menos quando se trata do amor ou da busca de um vínculo significativo entre duas pessoas. Sendo assim, flertando a partir da lógica da visualidade, nós próprios nos reduzimos aos rostos que possuímos, ao modo como dançamos, à roupa que vestimos, e não devemos nos surpreender se formos tratados como objetos e, no dia seguinte, bater em nós um tremendo vazio.

2 comentários:

  1. Querido! É exatamente desta forma que me senti muitas vezes. E ainda hoje em alguns momentos me atormenta lembrar que eu me reduzi ao rosto que possuo, ao modo como dancei, à roupa que vesti, e não consegui NÃO me surpreender se fui tratada como objeto e, no dia seguinte, senti um tremendo vazio.
    Por outro lado, a maneira como me diverti nestes momentos dosava meu ego. Pelo menos no momento da diversão.
    Abraços.

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  2. desejo pelo desconhecido, será mesmo? em certa medida é desconhecido, e em certa medida é por isso que é fácil de atrair um desejo a-autocrítico, já que sobre um desconhecido pode se dizer tudo aquilo que quer. imaginar tudo aquilo que se quer. e aí se torna desejo pelo desejo, desejo de projetar no outro algo desejável, sair de seu tédio acrítico.
    e sobre a exibição eu me pergunto: mas o que são os nossos rostos e o modo que dançamos...? não é uma construção do corpo?, mas se estivéssemos, de fato, atentos a construir uma estética de nós mesmos, imagino que seria um exercício muito mais nobre do que o de medir o valor (da) estético(a). a hierarquização e comercialização da estética é que me incomoda, que é superficial e pobre.

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