Com
toda sinceridade, realmente penso que, na noite, nosso comportamento é muito
singular, quando comparado com o do dia. É claro que continuamos competitivos,
que muitas impaciências e preconceitos permanecem conosco (ou se acentuam) e
assim por diante, mas acho que, num certo sentido, é inegável que nos
permitimos coisas que, à luz do dia, dificilmente nos permitiríamos.
Um
pequeno exemplo: na balada, podemos olhar as pessoas nos olhos, podemos
compartilhar uma dança, oferecer uma bebida, podemos nos aproximar, puxar
assunto e arriscar um beijo sem que isso soe desrespeitoso ou invasivo, a menos
que sejamos grosseiros. Não é surpreendente? Não é surpreendente que nós,
normalmente tão resistentes a aproximações de estranhos, reservemos um momento
de nossas vidas para sermos receptivos, para baixarmos a guarda?
Nesse
sentido, acho o ficar especialmente interessante, sobretudo quando acompanhado
de gestos de carinho. Pensemos bem: duas pessoas que nunca se viram
encontram-se na noite e, de repente, depois de umas poucas palavras ou talvez
nenhuma, estão se beijando, trocando abraços e sorrisos, rostos quase colados,
mãos quentes oferecendo afagos. Não é intrigante haver tamanha cordialidade
entre pessoas, até pouco antes, completamente desconhecidas?
O
que há conosco para, na balada, adquirirmos tal propensão ao afeto? Onde mantínhamos
a afeição que a calada da noite nos faz revelar? Ou tudo é apenas efeito do
álcool? Do desejo de conseguir uma transa? O que se passa para que nós,
normalmente beligerantes, nos desarmemos? Teria a noite o poder de despertar o
que há de melhor em nós? Ou sou eu que me iludo esquecendo-me da indiferença
com que acordamos no dia seguinte ou do fastio que nos acomete sob a luz do
banheiro do motel?
e o que há de melhor em nós se contrapõe ao fastio do dia seguinte? tenho minhas dúvidas...
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