É
certamente um lugar comum falar da correria do dia-a-dia. Quem, de uns tempos
para cá, não anda sem tempo? Todo mundo, vez ou outra, recorre a essa fórmula
para se desculpar de algum descaso, safar-se de um telefonema que não retornou
ou fugir de alguém inconveniente. É uma fórmula prática, convenhamos, e
socialmente bem aceita, embora escandalosamente falsa.
Sempre
temos tempo para o que nos interessa. Sempre encontramos um tempo para o que de
fato nos importa, a despeito de qualquer correria. As outras coisas, bom, a
gente empurra com pretextos, a gente vai levando. Não estou seguro, mas
acredito que este é um modo de nos protegermos das inúmeras demandas que recaem
sobre nós e que não queremos (e às vezes realmente não podemos) atender. Se é
verdade que corremos o tempo todo no dia-a-dia, também é verdade que, ao menos
em algumas circunstâncias, nós paramos, nós nos damos o direito à demora. É o
que ocorre, por exemplo, na noite.
Aliás,
exatamente por ser uma pausa, a noite revela, por contraste, a maneira como
temos vivido. Normalmente tensos, pressionados, centrados nas tarefas a
cumprir, no happy hour ou na balada
nos permitimos descontrair, baixar muito de nossa guarda e adquirir um modo
mais leve de olhar o mundo, inclusive uma propensão ao riso. É o momento em que
desaceleramos, como muitas vezes dizemos, sem notar a metáfora subjacente.
Tudo
se passa como se vibrássemos noutra frequência, como se houvéssemos nos dado
conta de nossa rudeza durante o resto do dia. Só nessas poucas horas, nas quais
esquecemos terno, tailleur e relógio, olhamos o mundo sem o viés da coerência,
da rapidez, da eficiência, da inteligência e de tantas outras virtudes que nos
massacram. É nessas horas, nas quais muitas vezes saímos para “encontrar
alguém”, sobretudo a nós mesmos, que se revela nossa simpatia esquecida, nossa
vontade de amar, sempre tão represada. Na noite, e não só pela ajuda do álcool,
somos mais serenos e afetuosos, revelamos uma face que insistimos em ocultar. O
dia exige uma fortaleza que a noite não requer. Quem dera a balada não tivesse
hora marcada, quem dera tivéssemos mais tempo a perder.
De fato, é uma fórmula escandalosamente falsa.
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