pra Gigi
Recentemente me mudei para
o apartamento que foi
da minha avó. Ele fica num prédio antigo cuja construção data do início dos anos sessenta, época
em que toda a rua tinha apenas casas. Hoje já há vários edifícios, muito mais do que o desejável, e um enorme, de dezessete
andares, começando a subir do chão. Boa parte deles é desses modernos, várias vagas de garagem, elevadores, guarita, alguns com janelas
espelhadas. Tudo
diferente deste antigo, o da minha avó, que não faz vista para ninguém, mas tem chão de taco de
peroba do campo e quartos que, com folga, comportam cama e armário. Não me interessa espaço gourmet, espaço fitness, espaço kids, playgroud – nada dessas
coisas batizadas com língua estrangeira. Estou
com os antigos, que estavam atentos não às
coisas da porta para fora, mas àquelas da porta para dentro, as quais têm nome no velho e bom português: quarto, sala, copa, cozinha, área
e banheiro. Alguém precisa de mais?
Sim, há muita gente que
precisa de mais. Uma das
coisas que se destaca no apartamento da minha avó, como em muitos apartamentos
antigos, é o fato de ter apenas um banheiro (nada de suíte, portanto). Um lar, uma família, um
banheiro; um mesmo banheiro para
todo mundo, inclusive as visitas, que para usá-lo precisam adentrar o apartamento e chegar ao
corredor dos quartos. É
bem verdade que o famigerado banheiro de empregada
existe, fica no cantinho da área, mas lá está vassoura, rodo, pá, lixeira, escada;
ninguém o utiliza, exceto em urgências urgentíssimas.
Confesso que estou achando
muito interessante morar num apê com banheiro único e isso
não apenas porque meu trabalho doméstico fica menor, dado que não tenho
faxineira. O interessante em ter apenas um banheiro em casa é ter de
compartilhá-lo com
todo mundo, sobretudo com as visitas. A intimidade dos cremes e apetrechos, dos
cheiros e inevitáveis pequenas sujeiras, da descarga meio emperrada, tudo está
à mostra. Atualmente, toda vez que recebo família, amigos, amigos de amigos, já nem me preocupo em dizer “não repare a bagunça” ou coisa do
gênero. Dividir banheiro me deixou uma pessoa mais
desencanada, mais
propensa a me desfazer de privacidades desnecessárias. Cá entre nós, a
única atitude que tomo é fechar a porta opaca da pequenina área
de banho: tenho vergonha de pêlos
no sabonete.
Acredito que deve haver apartamentos novos com mais banheiro e lavabo do que quartos. Aliás,
nesses tempos em que cada vez mais compartilhamos cada vez menos, o banheiro se tornou o
emblema de nosso maneirismo. Andamos muito ciosos de nossa
“intimidade”. Outro dia, um amigo me
contou que foi conhecer o duplex de uns tios abastados e que, na suíte
principal, havia um banheiro com duas pias e dois vasos. Tomei um susto. A continuar nessa toada, daqui a pouco vão inventar uma suíte com dois quartos!
A grande ironia é que,
entre as invencionices atuais, mas para muito além dos apartamentos, foi desenvolvido um aplicativo para que as pessoas
possam contar seus segredos. Tudo anonimamente, claro, ao menos em tese. Estes somos nós: incapazes de
partilhar um sabonete
com o irmão, a pia com a esposa, mas dispostos a dividir as confidências
com o mundo.
é uma liberdade viver cada vez mais simplesmente e fazer as pazes com um pouco da bagunça cósmica e vital
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