com muito atraso, mas ainda pro Fefi e Júlio
Pela primeira
vez, estive na Marcha das Vadias. Acho que todo mundo sabe desse movimento que
começou no Canadá quando, depois de uma série de estupros num campus universitário,
um policial disse que
a responsabilidade pela violência também cabia às mulheres que se vestiam como sluts (putas,
vagabundas ou, na tradução que vingou, vadias). Como se vê, não é só nas bandas
de cá, onde a educação é tratada como mulher de malandro, que se pensam – e falam – essas bobagens.
Ultimamente, aliás, talvez como uma reação ao que se rotulou de “politicamente
correto”, há pessoas que se dão o direito de falar impropérios, como se a
liberdade de expressão nos eximisse da responsabilidade de expressão.
Fato é que a Marcha das Vadias se
espalhou pelo mundo e, aqui na minha cidade, congregou muitas pessoas,
sobretudo jovens e não necessariamente mulheres. Havia muitos homens, vários
dos quais levantando a bandeira arco-íris. Crianças também se viam e até um
pequeno gato, que uma
bela senhora não quis deixar em casa sem o calor do seu colo. O trajeto,
percorrido a pé e carnavalescamente, deu-se nas ruas do centro e reavivou,
naquele sábado com
sol de outono, as praças que nos dias ditos
úteis são apenas
lugar de passagem (e que, nos dias inúteis,
ficam completamente vazias).
Confesso que
gostei do que vi e que me identifico com a crítica ao machismo, em especial
quando ele se manifesta no moralismo com relação ao sexo, isto é, no
preconceito e na hipocrisia acerca da liberdade sexual. Virgindade, heteronormatividade,
prostituição, para citar apenas três, foram temas explorados na Marcha, temas
que requerem uma exposição e debate que, entretanto, os corpos pintados e os
seios expostos não são capazes de suscitar plenamente, já que é enorme nossa resistência em tratar
do machismo, tal como é enorme nossa dificuldade em falar em sexo e em formas
de gozo. O que dizer, por exemplo, de uma mulher que deseja ser subjugada na
cama? Ela é, em algum sentido, machista ou vítima do machismo? Até que ponto podemos politizar o gozo?
De tudo que vi,
marcou-me um refrão, ouvido já no final da caminhada: chupo piroca / chupo buceta / e eu não quero / uma etiqueta! Cito-o porque
parece resumir, ao menos aos meus olhos, o principal argumento das pessoas com quem
caminhei: meu corpo pertence exclusivamente a mim e, por isso, posso fazer dele
o que eu quiser. Não pretendo entrar no mérito desse argumento libertário, de
cujas consequências normalmente não estamos conscientes, mas ressalto o seguinte aspecto: sim,
sabemos que podemos tudo no campo da sexualidade, chupar piroca e buceta, piroca ou buceta,
pirocas e/ou bucetas e, inclusive, não chupar, se essa for a nossa vontade, mas
e aí?
E aí,
sinceramente, que a
porca torce o rabo. É imprescindível a defesa pública da liberdade sexual ou, noutras palavras, da esfera privada – isso não cabe discutir. Contudo,
quando pensamos os indivíduos, quando olhamos para nós mesmos, o mais difícil
não é constatar que podemos fazer o que quisermos, mas descobrir o que realmente queremos, assumir e suportar aquilo
que somos. Acho estranho o tom eminentemente festivo da Marcha. Só se gritava a
liberdade, ninguém falou do trágico: o desejo é um déspota. Ser vadio é ser
escravo.
Final surpreendente e tão verdadeiro... Como ficamos então? O que é a liberdade, ou qual liberdade ainda resta?
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