sábado, 17 de março de 2012
Por uma Filosofia da Balada IV
sábado, 3 de março de 2012
Por uma Filosofia da Balada III
segunda-feira, 27 de fevereiro de 2012
A carta possível
sábado, 18 de fevereiro de 2012
Por uma Filosofia da Balada II
segunda-feira, 13 de fevereiro de 2012
Por uma Filosofia da Balada I

terça-feira, 31 de janeiro de 2012
Charme
Acho a naturalidade uma virtude. Não creio que possamos ser felizes e dignos de admiração a menos que sejamos espontâneos, demonstrando o que somos sem a afetação que adoece os partidários do estilo, desse tal de estilo. De uns tempos pra cá, sou incapaz de precisar quando, é comum ouvirmos pessoas falando em style e valorizando, na apreciação que fazem dos outros, os traços ou trejeitos que denotariam a autenticidade de fulano ou beltrano.
Salta aos olhos, porém, o quanto todo esse discurso é uma grande furada, já que vivemos uma época em que todos nós estamos cada vez mais parecidos. Não seria o ímpeto pela customização (que palavra é essa, meu Deus?) um sintoma de nossa homogeneidade? De onde mais poderia provir o ardor por nos diferenciarmos a qualquer custo? O curioso é que, como vemos todos os dias, os buracos nas calças, as tatuagens feitas sobre as mesmas partes do corpo, os cabelos com a inevitável chapinha, o vocabulário repetitivo – tudo isso nos faz farinha do mesmíssimo saco.
Por trás da valorização do estilo e da boa dose de higienismo que o acompanha, desconfio que há um desejo oculto pela perfeição, notadamente do ponto de vista estético. O estilo é sempre um artifício, uma tentativa de melhorar o que somos, negando, contudo, o que realmente somos. Ter estilo significa apagar características que nos incomodam (ou delas desviar o olhar) e nos aproximar de um ideal cool que ninguém sabe o que é. Peço que me perdoem, mas estilo me soa uma camuflagem requintada.
Nesse sentido, parece-me que ter estilo é o exato oposto de ter charme, coisa que anda fora de moda e de que mal se escuta falar. Penso o charme como uma apropriação particular das “imperfeições”, como a incorporação de nossos “defeitos” a nosso próprio ser, sem julgar que isso represente qualquer demérito. O charme, no fundo, é uma paz consigo mesmo, a aceitação da beleza de nossos pequenos desarranjos, em especial os físicos: uma pinta no meio da bochecha, algumas rugas apressadas, um leve estrabismo, cabelos brancos, covas um pouco profundas, quilinhos a mais e assim por diante, numa lista que poderia ir ao infinito, como os passos estranhos de quem foge a uma coreografia e se torna, exatamente por isso, divertido e apaixonante.
sexta-feira, 13 de janeiro de 2012
Coisas em ordem
quarta-feira, 29 de junho de 2011
Citação VII: Luís da Câmara Cascudo
quinta-feira, 23 de junho de 2011
Atentada Tradução X: Cioran
Annulation par la Délivrance
Anulação pela Libertação
sábado, 11 de junho de 2011
A velha bate à porta
para abrir-nos a via estreita,
escorreita ela se desforra
do riso, do beijo, da não-maleita.
Sua força, ás franzino,
vem do toque eterno da morte,
dela mesma, anciã menina,
velha-jovem que se renova
na súbita e esperada batida
não do peito, mas à porta
que a alguns alucina
e muito não demora.
A porta em que ela bate
sempre esteve no trinco.
Trancá-la à chave só cabe
à sede seca – chumbinho.
Mas isso nada não é
senão abri-la sozinho,
abri-la por dentro e de chofre
no desespero menino
que não joga o jogo da sorte
que cospe o sublime acepipe:
a vida, os inúteis caminhos.
(Maior iguaria não há,
nem menor não existe,
mas desfrutá-la só faz
quem ao tempo resiste
andando por vias errantes
antes da sabida visita.)
E não há vingança envolvida
em todo o macabro processo.
E nem há processo macabro
na mão a bater à porta
na vida a que se dá cabo.
Quando a velha vai à forra,
não se vinga, se completa
o tempo que já não sobra,
ninguém mais anda, nem erra:
é o segundo em que se acorda
ou o que em paz se dorme,
é o tempo sem vagueza
que não brinca, não faz hora
marca o passo, acaba o ciclo,
acerta a hora das horas.
segunda-feira, 30 de maio de 2011
Contra a revolução
na medida do possível
Confesso, contudo, que a inviabilidade de uma revolução, capitaneada por um líder ou pequeno grupo, sequer me comove. Não acredito nela e, na verdade, mesmo que ocorra, penso que está fadada ao insucesso. Temos de mudar a nós mesmos antes de mudarmos as estruturas, porque, se for para permanecermos como somos, com os mesmos insaciáveis desejos, os mesmos impulsos tolos, as opiniões de sempre, de que adianta estabelecer o novo se continuaremos velhos? Aliás, a sociabilidade com que sonhamos não poderá jamais se manter a menos que nós – e não um poder, um estado, um governo – sejamos seu esteio. Enquanto acalentarmos os valores e práticas que conformam o modus vivendi atual, nenhuma esperança é possível.
Por causa disso, e me perdoem os utópicos de 1917 e 1959, creio que devemos dar cabo das abstrações e lançarmos nossos olhos para o concreto. Que tal, em lugar de falarmos em “pobres”, falarmos nos mendigos que saltamos nas ruas de nossas cidades, nos famintos que batem à nossa porta? Que tal, ao invés de acusarmos a “elite”, acusarmos a nós mesmos, que faríamos o mesmo se invertêssemos as posições? Que tal, pois, sermos como as mulheres, que não parem a “humanidade”, mas dão luz a “marias e josés”?
A revolução é, antes de tudo, uma auto-transformação e o melhor modo de iniciá-la é começar a sermos o que ainda não somos. Muito, muito antes da guerra ou da manifestação, do slogan ou do grito, penso que é o caso de nos voltarmos para o cotidiano e suas miudezas, materializando silenciosamente os ideais que nunca pisaram o chão e de que nunca, a rigor, fomos dignos. Só há uma política de fato revolucionária: a política dos pequenos gestos.
segunda-feira, 23 de maio de 2011
Do doce vinagre
Seja como for, acredito que, para além do campo religioso, estamos eivados de algo que poderíamos chamar de “lógica do milagre” e que somos muito simpáticos a ela. É que, várias vezes, aspiramos a soluções fáceis e súbitas de nossos problemas, como se fosse possível nos livrarmos das pedras de nossos sapatos por um passe de mágica. Acho que essa é uma boa perspectiva para pensar a loteria, as cirurgias plásticas e muitas outras coisas: de repente, como que por um milagre profano, mudamos de vida, de corpo... E sem nenhum esforço, sem ter de trabalhar, sem ter de fazer dieta, sem ter de comer o pão que o diabo amassou!
O lamentável dessa lógica é que nos colocamos numa posição completamente passiva. Resignados ou desesperados, ficamos postados à espera de um redentor (um mestre, um deus, um curandeiro, a sorte) e sonhamos com a resolução repentina de nossos males, antevendo o gosto do vinho sem notar que a água avinagre-se.
domingo, 8 de maio de 2011
Última Liberdade
ainda mais quando ela é / esta que vê, severina.
JCMN – Morte e Vida Severina
Confesso que fiquei abalado a tal ponto que optei por não ir ao velório e enterro. Mais do que nunca, talvez por ter acometido uma pessoa relativamente próxima, talvez por ter sido realizado de modo brutal e premeditado, o suicídio calou fundo em mim. Sabemos agora que um enorme sofrimento a remoía interiormente, sofrimento que encontrou expressão na morte voluntária. Agora, porém, é tarde demais.
Não há como explicar o pensamento suicida quando ele se constrói no mais absoluto silêncio e em contraste com condições objetivas que parecem alicerçar uma vida em tranqüilo progresso: formatura, emprego, casa própria, carro novo, casamento. No entanto, pergunto-me se há meios de evitar o suicídio, se há algum argumento capaz de demover quem se encontra na fronteira final.
Avento, inicialmente, o sofrimento que se causará a outros, mas isso me parece insuficiente: o cálculo é óbvio quando a dor que carregamos no peito se torna insuportável. Cogito, em segundo lugar, o argumento do futuro: se sofremos no presente, se temos sofrido há muito, nada impede que nossa vida se torne melhor e que, a partir de um futuro mais ou menos breve, tenhamos dias agradáveis e felizes. Contudo, quando a dor é lancinante, é possível nos apoiarmos num olhar prospectivo? Por fim, interrogo-me sobre o desejo de perfeição tão caro a muitos de nós: frustração, fracasso, impotência, limitação, perda – até que ponto a dor, em suas mais variadas formas, não é potencializada por uma expectativa irreal acerca de nós e do mundo?
É certamente uma grande ironia o fato de que o ato de radical afirmação da liberdade corresponda à máxima negação de si mesmo, mas, frente a uma paixão incandescente, a razão tem pouco a fazer. Se um comentário me é permitido, acho que, se não atuamos dia a dia sobre nossas mazelas e domamos os monstros que nos assombram; se não aprendemos a rir das imperfeições e desfrutar de nossas migalhas; se, em suma, não cuidamos cotidianamente da tênue chama que alumia nossas vidas, corremos o risco de que ela se apague e que nada mais nos reste senão o mergulho na noite eterna.
sábado, 30 de abril de 2011
Ainda o vinho
Era a mesma vez uma mulher que amou desmedidamente um homem.
Outra era a vez em que conheceram o tempo.
Outra era a mesma vez em que conheceram o medo do tempo.
Outra era ainda a mesma vez em que mediram o amor pelo tempo.
Era-se a vez em que se amaram desmedidamente.
domingo, 24 de abril de 2011
Atentada Tradução IX: Anacreonte
trikhas gerōn men estin
tas de phrenas neazeiUm velho, quando dança,
permanece com cabelo envelhecido,
mas seu espírito rejuvenesce.
segunda-feira, 11 de abril de 2011
Duas historietas e um canto de Tagore
Anos depois, já crescido, resolvi revê-la. A casa ainda existia, embora sufocada por prédios enormes feitos ao seu redor. Toquei o interfone e veio uma mulher, talvez nos seus quarenta anos, possivelmente sua filha ou nora. “Aqui ainda mora uma senhora que benze?” “Sim, mas ela não benze mais.” “O que houve? Ela não está bem de saúde?” “Não, virou evangélica.”
Confesso que fiquei deveras surpreso com isso, porque tinha dificuldade em imaginar que meu amigo e sua esposa, sempre tão abertos ao mundo, à variedade de experiências que a vida oferece, pudessem ter mergulhado no sadhana em detrimento de tudo o mais. Com certo tom de lamento, saí da celebração meditando algumas questões que permanecem comigo, pois não nos encontramos novamente: por que as trilhas espirituais são tão exclusivistas? Até o amor e a amizade precisam ser submetidos ao crivo da crença?
Com medo de que se desfie ou se desgaste com poeira, ela se afasta do mundo e tem medo até de mover-se.
Mãe, não há ganho algum nesta sujeição ao luxo, se ela lhe veda o contato com a saudável poeira da terra, se lhe retira o direito de entrada na grande festa da vida humana comum.”
quarta-feira, 30 de março de 2011
Francotônica II: Dos Mundos
sexta-feira, 25 de março de 2011
Com choro e com vela
Num primeiro momento, fiquei muito surpreso e achei um absurdo. “Pagar alguém para chorar no seu lugar? Ou para impressionar terceiros?” Cheguei a supor que era invencionice contemporânea, mas a prática é antiga. Hoje, lendo uma biografia de Marco Polo, me dei conta de que existia numa cidade portuária do golfo pérsico no século XIII, quando se deram as andanças do veneziano: viúvas muçulmanas, que tinham de chorar a morte do falecido durante quatro anos consecutivos, todos os dias do ano, podiam, quando cansadas, recorrer a esse auxílio profissional.
Confesso que gostaria de entender a profissão, conversar com uma dessas senhoras, saber das histórias de lágrimas de crocodilo. Que significado dão à sua tarefa? Quem as contrata? Quanto custa a hora de choro? E, além disso, quando surgiu a prática de carpir? Onde? Como? Por que? Convenhamos: as carpideiras são intrigantes e uma alternativa curiosa para quem se cansou de chorar, já que não dá para delegar a tristeza, felizmente.
domingo, 13 de março de 2011
Francotônica I: E somos todos tibetanos
A noite foi muito agradável e a conversa, como sempre nos jantares franceses, foi tão longa e variada como a refeição. Um casal de vizinhos da Mme Villard também estava presente e levou consigo seus dois filhos, um ainda adolescente. Marcou-me o quanto todos foram simpáticos e, mais do isso, a gratuidade da gentileza. Que bom que eu, num primeiro momento hesitante, finalmente aceitei o convite.
Daquela noite, porém, destaco um registro especial. É que em determinado momento a conversa passou a tratar da China, migrou para Macau e depois chegou ao Tibet. Qinghua nos contou, da perspectiva que lhe é própria, que os tibetanos aceitam a presença chinesa, pois é ela que assegura o desenvolvimento e “as pessoas querem ter coisas, querem o progresso”. A seus olhos, tudo se passa como se a resistência do Dalai Lama fosse uma exceção, já que o povo habituou-se ao domínio chinês (truculento que seja, acrescento eu) e está mais interessado no avanço material do que na liberdade.
Não emiti comentário algum quando estávamos à mesa, mas confesso que fiquei um tanto triste. Não me refiro à opressão política e ao dirigismo estatal, que me interessam menos do que a uniformização do sentido que damos às nossas vidas: também os tibetanos desejam o progresso, o conforto material... Considero que, mais que a tirania, mais que a violência ou a imposição do silêncio, o pior massacre que vemos na contemporaneidade (e que assola todos os povos) é o massacre do desejo, tolhido pela ilusão do consumo e planificado basicamente nos mesmos objetos. Acho impossível que sejamos felizes centrando-nos apenas nisso e, dada a perda de nossas identidades e diferenças, lamento que caminhemos para um nivelamento amorfo e global, lamento que caminhemos para nos tornar todos tibetanos, isto é, franceses, isto é, turcos, isto é, bolivianos, isto é, senegaleses, isto é, sauditas, isto é, filipinos, isto é, estadunidenses, isto é, zés-ninguéns.
quinta-feira, 20 de janeiro de 2011
- Nota -
escrevo para lhes dizer que devo passar um período sem fazer postagens. Não pretendo abandonar o blog, apenas fazer uma pausa, constrangido que estou por um momento de trabalho intenso, que se estenderá até meados de março. Mais do que nos últimos meses, sinto-me inapto para desatrelar-me da opressão dos afazeres e, assim, não consigo obter o ar necessário para alentar o espírito e a escrita.
Sei que alguns de vocês, pessoas conhecidas e desconhecidas, sentirão falta de vir até aqui para ler as postagens e, vez ou outra, comentá-las. No entanto, saibam que falta maior sentirei eu, donde meu sincero desejo de poder voltar à palavra assim que possível.
Com um forte e já saudoso abraço,
M.C.
sexta-feira, 24 de dezembro de 2010
Pedido de Natal
domingo, 12 de dezembro de 2010
Zoológico XXI
Dentre muitas coisas que me marcaram, cito um episódio. O caçula da família que me recebeu, chamado Lázaro, ficava sempre a meu lado, como que tomando conta de mim, a ponto tal que resolvi lhe pedir um favor: indicar-me tudo que achava que eu não conhecia, sobretudo plantas, frutas e animais. Tive, como conseqüência, dias maravilhosos incrustados com pequenas descobertas. Numa determinada tarde, ele me pediu silêncio e indicou uma trilha. Segui-o calado até que apontou: um gato! Caí na gargalhada: “Uai, ocê tá achando qu’eu não conheço gato?! Gat’eu conheço! Eu sou da cidade, mas alguns bichos eu já vi.”
Pois outro dia soube de uma notícia ótima. Um zoológico da Alemanha resolveu colocar vaca em exposição. Tomei um grande susto, mas depois me recompus, tendo recordado minha viagem a Tanque. Não há que surpreender a decisão dos administradores daquele zôo. Cada vez mais distanciados de experiências diretas com a natureza, estamos perdendo o contato mesmo com animais relativamente comuns, para não falar em outras perdas, talvez mais relevantes, causadas pela nossa vida urbana, demasiado urbana.
Comentando a notícia entre colegas, escutei histórias de amigos professores e descobri que há crianças que nunca viram galinha, que pensam que frango nasce no freezer, que não imaginam como é um porco e que sentem nojo de leite ao saber que saiu de uma teta. Todas crianças brasileiras, para as quais documentários à la Discovery ou viagens a praias bem administradas esgota o contato com o mundo, por assim dizer, selvagem. Crianças brasileiras, como alemãs, inglesas, francesas – como qualquer criança citadina?
A continuar assim, os netos do Lázaro terão muito mais trabalho do que aquele que lhe dei, se é que nós ainda cogitaremos nadar em rios (e não em piscinas cloradas), sujar os pés com terra (e não o sapato com pó asfáltico), colher frutas no pé (e não em prateleiras), olhar montanhas (e não fachadas de prédio), sentir o vento (e não o ar-condicionado), se é que nós, afinal de contas, ainda seremos humanos (e não apenas bichos urbanos).