Recentemente, duas notícias me incomodaram profundamente. Refiro-me à agressão sofrida por uma mãe-de-santo no sul da Bahia, humilhada por policiais fardados (ela foi esbofeteada, algemada e obrigada a sentar-se num formigueiro) e ao ataque de jovens de classe média a transeuntes na avenida paulista, subjugados a socos e cacetadas por supostamente serem homossexuais.
São dois crimes de ódio, não resta dúvida, ou crimes de bestialidade, como talvez devêssemos chamá-los, se por meio dessa palavra exprime-se com mais clareza o horror de sua brutalidade. Trata-se de algo abjeto e inaceitável, injustificável sob qualquer perspectiva. Contudo, surpreende a pouca repercussão que obtiveram: será que nos tem escapado a magnitude dos crimes dessa natureza – de ira gratuita e covarde – cada vez mais recorrentes?
Não penso aqui nos parentes dos criminosos ou seus correligionários, que tentam mitigar esse tipo de violência, caçando atenuações onde atenuações não existem. Penso nos outros, nos muitos mais, que ouvem e se calam: calar-se frente ao absurdo não é uma forma de aceitá-lo? A indignação, emudecida no peito, é ainda indignação?
Façamos, pois, um ligeiro exame de consciência: fosse dada a nós a tarefa de ir à rua sempre que algo nos revoltasse, quantas manifestações faríamos? Em outras palavras: quantas idéias, atos, sentimentos nos geram repulsa e verdadeira objeção? Se a cólera e a covardia não nos movem, o que mais nos moveria?
Arrisco um palpite na tentativa de entender a apatia: não é que não compreendamos o mal ou tenhamos perdido o poder de reconhecê-lo. Ao contrário do que muitas vezes escuto, discordo da tese que a violência, de tão banal e corriqueira, tenha se integrado à vida como algo normal. Nós ainda (ao menos ainda) a identificamos e repelimos. O problema me parece ser outro: termos perdido a capacidade de ser afetados pela violência, isto é, de nos emocionar e demover, já que, cada vez mais individualistas e imediatistas, só cuidamos do que nos atinge diretamente.
Se andamos emudecidos (e, portanto, coniventes) com o ódio e a covardia, se nos falta o impulso para o grito, se não nos interessa reivindicar o bem alheio quando o nosso não está diretamente em jogo, é porque nos embrutecemos e isolamos. Tornamo-nos incapazes de nos compadecer e, sem compaixão, despreocupamo-nos dos outros a ponto de não sentirmos a crueldade de nossa indiferença.
São dois crimes de ódio, não resta dúvida, ou crimes de bestialidade, como talvez devêssemos chamá-los, se por meio dessa palavra exprime-se com mais clareza o horror de sua brutalidade. Trata-se de algo abjeto e inaceitável, injustificável sob qualquer perspectiva. Contudo, surpreende a pouca repercussão que obtiveram: será que nos tem escapado a magnitude dos crimes dessa natureza – de ira gratuita e covarde – cada vez mais recorrentes?
Não penso aqui nos parentes dos criminosos ou seus correligionários, que tentam mitigar esse tipo de violência, caçando atenuações onde atenuações não existem. Penso nos outros, nos muitos mais, que ouvem e se calam: calar-se frente ao absurdo não é uma forma de aceitá-lo? A indignação, emudecida no peito, é ainda indignação?
Façamos, pois, um ligeiro exame de consciência: fosse dada a nós a tarefa de ir à rua sempre que algo nos revoltasse, quantas manifestações faríamos? Em outras palavras: quantas idéias, atos, sentimentos nos geram repulsa e verdadeira objeção? Se a cólera e a covardia não nos movem, o que mais nos moveria?
Arrisco um palpite na tentativa de entender a apatia: não é que não compreendamos o mal ou tenhamos perdido o poder de reconhecê-lo. Ao contrário do que muitas vezes escuto, discordo da tese que a violência, de tão banal e corriqueira, tenha se integrado à vida como algo normal. Nós ainda (ao menos ainda) a identificamos e repelimos. O problema me parece ser outro: termos perdido a capacidade de ser afetados pela violência, isto é, de nos emocionar e demover, já que, cada vez mais individualistas e imediatistas, só cuidamos do que nos atinge diretamente.
Se andamos emudecidos (e, portanto, coniventes) com o ódio e a covardia, se nos falta o impulso para o grito, se não nos interessa reivindicar o bem alheio quando o nosso não está diretamente em jogo, é porque nos embrutecemos e isolamos. Tornamo-nos incapazes de nos compadecer e, sem compaixão, despreocupamo-nos dos outros a ponto de não sentirmos a crueldade de nossa indiferença.