segunda-feira, 1 de outubro de 2012

Princípios


Eu queria que estivesse aqui,
mas sei que nunca estará.
Por isso eu guardo minhas coisas inúteis
– ouvidos, pele, uma foto da infância –
e encubro confissões engolindo o jantar não partilhado.
Às vezes escrevo, às vezes leio,
até filmes tento assistir,
busco afazeres no tempo que eu desejava perder.
Já que não vem e jamais virá,
tenho de me recompor,
ater-me ao essencial:
desejar algo que não seja seu corpo.
Tenho de deixar de ensaiar gestos,
de reservar no armário a segunda toalha,
de planejar o café para a manhã seguinte.
Preciso voltar a fazer sentido,
recuperar o olhar para o desimportante:
pensar nos trabalhos e contas,
combinar calça e meias,
indignar-me com as injustiças do mundo.
Preciso encontrar um novo começo,
restaurar a ilusão de que a vida é possível.