pra Lu Ubaldo,
como quem sai pra comprar pão
Nunca acompanhei a carreira da
Valesca Popozuda, mas
devo confessar que ela me é uma figura simpática. Não por sua atividade
artística, que mal
conheço, menos ainda
por sua bunda, que
dispensa comentários, mas por uma imagem –
talvez falsa – de mulher liberada. Infelizmente, mulher falando abertamente de
sexo é tabu, continua sendo, e por isso ela acaba por desempenhar uma função
necessária. Além
disso, quando vez ou outra defende posições favoráveis ao casamento gay, acentua sua veia liberal quanto aos costumes, o que é importante,
sobretudo com o crescimento do fanatismo religioso no Brasil. Por outro lado, entretanto, sinto-me capaz de apontar elementos na sua imagem que não me agradam muito, mas
isso seria irrelevante frente ao que sua nova canção me despertou.
Cá entre nós, li algumas vezes a letra de “Beijinho no ombro”, vi o vídeo na internet, e
não consegui concatenar perfeitamente todos os versos. É certo que me falta o conhecimento contextual (por exemplo, de sua história como artista, do funk) para uma compreensão adequada, pois não posso supor que um clipe que,
quando o procurei, havia sido visto por 8.989.335 pessoas possa ser tão enigmático como me pareceu. Felizmente,
não pretendo fazer
uma exegese da canção, não usarei meu tempo para tanto. Escrevo, porém, porque
alguns versos me levaram
a visualizar com
clareza algo que há
muito me incomoda e, dado que só sei pensar escrevendo, tive de vir ao papel.
Basicamente, o que me salta
aos olhos na música é
a oposição entre o sucesso e a inveja, ou melhor, é o fato de o eu lírico
(posso usar esse termo?) se colocar na posição do êxito absoluto, ancorado na
fé em Deus, e acreditar que as invejosas (perdedoras, como dizem os
norte-americanos?)
estão a todo tempo a observar seus passos. É como se, assim me parece, o eu
lírico estivesse no centro do mundo, concentrasse todas as atenções e, mais do
que isso, almejasse essa notoriedade, já que admite o desejo de que todas as inimigas
tenham vida longa “pra que elas
vejam cada dia mais nossa vitória” (em meio à egolatria da letra, esse “nossa”
é curioso. Nós quem? Ela e Deus?).
Acho muito interessante
esse desejo de notoriedade, em especial quando
acompanhado da crença de que as outras pessoas nos invejam. Pergunto: o que nossas vidas têm de
invejável? Considero a minha tão comum, tão besta, tão arroz com feijão que não
consigo conceber que ninguém queira estar em meu lugar, exceto talvez quem passe fome ou esteja desempregado. Pelas conquistas que julgo ter tido, umas poucas, duas ou três, se tanto, não nutro louvor e sinceramente
acredito que são
equivalentes às
realizações de alguns amigos, as quais acompanhei com alegria. Não me coloco acima, também não me coloco abaixo. No
fundo, acho nossas vidas
muito semelhantes, vejo a miséria humana repartida em todas elas.
Ademais, ser invejado deve ser terrível, suponho eu, e não vejo mérito algum nisso. Se a franqueza me é permitida, acho extremamente tacanho alguém dizer que os outros lhe têm inveja. Isso implica se colocar acima, se julgar
importante – e quem de fato o é? Todo esse papo de inveja, no entanto, revela o
quanto, para muitos de nós, a vida anônima, simples, soa sem graça. Parece que é
problema ser comum. Não
é à toa que no clipe
a Valesca Popozuda
seja uma rainha e tenha uma águia no espaldar de seu trono e um tigre a seus pés. Um plebeu
passeando com seu cachorro não chamaria atenção alguma. É preciso ser especial, superior, de preferência único! Ser comum é ser
ninguém. Dá-lhe presunção! Como antídoto,
será que vale lembrar Montaigne? “Por mais alto que seja o trono que ocupemos,
sempre estaremos sentados sobre nosso cu.”