sábado, 30 de junho de 2012

Acontece


Acho que freqüentemente nos perguntamos se vamos encontrar alguém; se nós, que estamos sozinhos, teremos a sorte de topar com uma pessoa que seja interessante e nos desperte o desejo de construir uma relação amorosa. Transas são fáceis de arrumar; boas amizades, nem tanto; já um amor... Tenho amigas (penso que isso ocorre especialmente com as mulheres) que andam desesperadas; as que querem ter filhos então, desesperadíssimas.

O pior é que, pelo que parece, não adianta procurar um amor. Acho que todos andamos um tanto desacreditados disso. Já procuramos muito, a fila já andou (e anda) com certa velocidade, e nada! Nada de sério, digo. No máximo, namoros que duram alguns meses, às vezes um ano e pouco, mas que terminam com o “estou confuso”, “não sei bem o que quero”, “é melhor terminar, não quero te fazer sofrer”. A velha ladainha que todos conhecemos. Sim, andamos muito perdidos, mas será que isso explica os desencontros? Ou será que, no fundo, sem sequer nos dar conta, temos evitado estabelecer um vínculo?

Honestamente, parece-me que queremos sim estabelecer um vínculo afetivo, nem que seja por medo de envelhecer sozinhos, mas o que acho curioso é o modo como concebemos o amor. Tenho a impressão de que o imaginamos – e vivenciamos – como um evento repentino. Nossa idealização é a de que, quando menos esperarmos, nós nos veremos apaixonados. Não é esse nosso imaginário? A flechada do Cupido? De repente, como dizem os ingleses, we fall in love.

Certa vez, há muitos anos, tive um amor à primeira vista. Logo eu, que não acreditava nessas coisas. Tudo se passou no quintal da casa de um amigo em comum, numa despretensiosa tarde de sábado. Foi um encantamento. Nunca havíamos nos visto, mas, à medida que conversávamos, ficava claro que haveria algo entre nós. E houve, desde o primeiro dia. No segundo ou terceiro mês de namoro, pensava que poderia até me casar, mas tudo terminou antes que eu conseguisse compreender o que havia se passado. Desde então, admito que fiquei mais aberto a essa possibilidade, que nunca se repetiu...

Mas a noção de amor como acontecimento não se reduz ao amor à primeira vista. Ocorre de nos apaixonarmos por quem já conhecemos há tempos. Graças a alguma razão que não compreendemos, pode emergir em nós um sentimento diferente e aquela pessoa, até então amiga, passa a nos interessar como amante. Às vezes, somos capazes de apontar um motivo ou outro: simpatia, inteligência, cortesia, humor, mas sabemos que isso não explica nada. Normalmente, esses atributos sempre pertenceram àquela pessoa. Nós é que nos alteramos e não sabemos o porquê ou como. O amor nos escapa. Não há explicações possíveis. Alguma coisa se move em nós de modo inesperado, alguma coisa simplesmente acontece. O amor nos arrebata, nos toma, nos atinge, como a descoberta de um tesouro ou a de um câncer.

terça-feira, 19 de junho de 2012

Luz da Lua II


Com toda sinceridade, realmente penso que, na noite, nosso comportamento é muito singular, quando comparado com o do dia. É claro que continuamos competitivos, que muitas impaciências e preconceitos permanecem conosco (ou se acentuam) e assim por diante, mas acho que, num certo sentido, é inegável que nos permitimos coisas que, à luz do dia, dificilmente nos permitiríamos.

Um pequeno exemplo: na balada, podemos olhar as pessoas nos olhos, podemos compartilhar uma dança, oferecer uma bebida, podemos nos aproximar, puxar assunto e arriscar um beijo sem que isso soe desrespeitoso ou invasivo, a menos que sejamos grosseiros. Não é surpreendente? Não é surpreendente que nós, normalmente tão resistentes a aproximações de estranhos, reservemos um momento de nossas vidas para sermos receptivos, para baixarmos a guarda?

Nesse sentido, acho o ficar especialmente interessante, sobretudo quando acompanhado de gestos de carinho. Pensemos bem: duas pessoas que nunca se viram encontram-se na noite e, de repente, depois de umas poucas palavras ou talvez nenhuma, estão se beijando, trocando abraços e sorrisos, rostos quase colados, mãos quentes oferecendo afagos. Não é intrigante haver tamanha cordialidade entre pessoas, até pouco antes, completamente desconhecidas?

O que há conosco para, na balada, adquirirmos tal propensão ao afeto? Onde mantínhamos a afeição que a calada da noite nos faz revelar? Ou tudo é apenas efeito do álcool? Do desejo de conseguir uma transa? O que se passa para que nós, normalmente beligerantes, nos desarmemos? Teria a noite o poder de despertar o que há de melhor em nós? Ou sou eu que me iludo esquecendo-me da indiferença com que acordamos no dia seguinte ou do fastio que nos acomete sob a luz do banheiro do motel?

quarta-feira, 13 de junho de 2012

Luz da Lua I


É certamente um lugar comum falar da correria do dia-a-dia. Quem, de uns tempos para cá, não anda sem tempo? Todo mundo, vez ou outra, recorre a essa fórmula para se desculpar de algum descaso, safar-se de um telefonema que não retornou ou fugir de alguém inconveniente. É uma fórmula prática, convenhamos, e socialmente bem aceita, embora escandalosamente falsa.

Sempre temos tempo para o que nos interessa. Sempre encontramos um tempo para o que de fato nos importa, a despeito de qualquer correria. As outras coisas, bom, a gente empurra com pretextos, a gente vai levando. Não estou seguro, mas acredito que este é um modo de nos protegermos das inúmeras demandas que recaem sobre nós e que não queremos (e às vezes realmente não podemos) atender. Se é verdade que corremos o tempo todo no dia-a-dia, também é verdade que, ao menos em algumas circunstâncias, nós paramos, nós nos damos o direito à demora. É o que ocorre, por exemplo, na noite.

Aliás, exatamente por ser uma pausa, a noite revela, por contraste, a maneira como temos vivido. Normalmente tensos, pressionados, centrados nas tarefas a cumprir, no happy hour ou na balada nos permitimos descontrair, baixar muito de nossa guarda e adquirir um modo mais leve de olhar o mundo, inclusive uma propensão ao riso. É o momento em que desaceleramos, como muitas vezes dizemos, sem notar a metáfora subjacente.

Tudo se passa como se vibrássemos noutra frequência, como se houvéssemos nos dado conta de nossa rudeza durante o resto do dia. Só nessas poucas horas, nas quais esquecemos terno, tailleur e relógio, olhamos o mundo sem o viés da coerência, da rapidez, da eficiência, da inteligência e de tantas outras virtudes que nos massacram. É nessas horas, nas quais muitas vezes saímos para “encontrar alguém”, sobretudo a nós mesmos, que se revela nossa simpatia esquecida, nossa vontade de amar, sempre tão represada. Na noite, e não só pela ajuda do álcool, somos mais serenos e afetuosos, revelamos uma face que insistimos em ocultar. O dia exige uma fortaleza que a noite não requer. Quem dera a balada não tivesse hora marcada, quem dera tivéssemos mais tempo a perder.