sexta-feira, 21 de agosto de 2009

O Palco e o Peito

pra T. Lides
Tenho uma tia melodramática. Ela sempre morou longe, afastada de meus olhos e do núcleo familiar. E sempre se entristeceu por isso. Ainda criança, lembro-me de irmos visitá-la e sermos recebidos com choro compulsivo. Tão marcante! Parecia até que chegávamos para enterro ou visita a moribundo. Nunca soube se era o enlevo do reencontro. Devia ser a dor da saudade. Também não me esqueço de sua pizza massuda feita na chácara de águas límpidas e das brincadeiras forçadas que encabulavam seus filhos. O bunda-lê-lê de calcinha, como era engraçado! Pela bundona ou pelo inusitado? Àquela época, já era senhora, mãe de meus primos, um em plena adolescência. Mesmo assim, comia escondida doces na cozinha para não ser lembrada do regime. Certa vez, ela se regalou empurrando-me a culpa por um arroto altíssimo que deixou escapar na lanchonete. Quem pode com ela, com minha tia e com a alegria?
A felicidade assume formas inusitadas: é curioso como não sabemos ser felizes. Será que é de tanto ser triste? Voltamos à meninice, revisitamos comportamentos infantis: é pulo, é pum, é lutinha, é bunda-lê-lê, é bobajada, são os risos sem razão. Desconfio que a alegria não caiba numa alma adulta. Para acolhê-la no peito, há que ser velho ou criança. Ser maduro ou ainda ingênuo. E minha tia era só adulta, aliás, bem adulta, mãe de casal, esposa, professora, dona-de-casa, devota de Santa Rita de Cássia e desamparada, como agora sou. Mulher de trabalho, sofrimento e beleza. Das que choram de dor em silêncio e se debulham em pranto na alegria.
Graças a seu exemplo, aceitei algumas contradições do humano. Hoje, peço-lhe sugestões acerca da docência e acabo recebendo conselhos sobre o amor. Quando posso, escuto suas histórias sobre a vida talhada na distância e no calor interiorano, essa sina que também se fez minha. Nos meus caminhos quotidianos, protejo-me do sol que outrora a castigava, topo com os mesmos sapos amarronzados que a enojavam. Creio padecer de dores semelhantes. Com ela, aprendi a ver lágrimas e não conter o choro. Sou simples e sentimental, intimido-me quando estou entre estranhos, emociono-me demasiado em chegadas e despedidas. Só não faço arrotar! Muito de seu espírito se encarnou em mim. Tenho uma tia que amo.

Um comentário:

  1. nossa, flavio, que bonito esse texto. ousaria dizer que ele é um dos mais bonitos que já li da sua pena. parabéns, meu querido.
    saudades, d.

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