sábado, 12 de setembro de 2009

Quase diário

Sabe, amigo, hoje escrevo para me desculpar. É que ando muito partido, sentindo-me disperso na vida. Para que? Por que? Onde? Estou amuado, como quem perdeu a graça, ficou sem assunto, meteu-se num beco sem se dar conta.

Sabe, amigo, um repente e tudo esfacela-se? A saudade retumbante no peito, a alma sem ânimo, o enfado infinito? E uma angústia sem estridência? Só a ânsia pelo retorno – ao nada? a Minas? ao mito?

Sabe, amigo, o desejo de olhar para trás e virar estátua de sal? O colo que não existe? Acontece, não é verdade? A vontade de matar o vizinho, o ruído que não cessa? O inimigo dentro de nós?

Sabe, amigo, digo a mim mesmo que preciso ter paciência, que vai passar. Digo como dizia à minha avó, sete anos de luta contra o câncer.

5 comentários:

  1. Talvez o colo da mãe natureza possa te devolver a alegria. Uma visita ao rio, onde ele for mais silencioso, ou navegar um pouco, se já possui intimidade com os barcos; oportunidade que não devia desperdiçar... Navegar, pra ter um convívio maior com o rio, que deve ser o maior tesouro do lugar. Pra mim o silencio do rio é uma das coisas mais belas e deliciosas do mundo. Eu recomendo. Ele acalma os quereres, tranquiliza a mente...e nos fala. Escutar o que diz o silêncio do rio é ainda melhor. Talvez ele empreste sua voz e linguagem para que falemos a nós mesmos.
    E tem o sol, causticante é verdade, mas o sol nos faz brilhar e depois,na fresca sombra, observá-lo brilhando nas coisas todas do mundo... Plantas, pedras, água, tudo brilha e con vida.É possível aceitar e fazer parte, mergulhar no brilho, sacudir as tristezas.
    As coisas do homem, seu destino, sua luta, chegarão a seu termo. A conclusão está se aprontando para você.
    Já as coisas da natureza estão suspensas por finos laços, que estamos quase desfazendo.Não há um planeta prometido para os filhos ou netos. Esse é o colo que estamos prestes a perder para sempre, então aproveite e cuide.


    A verdade, meu caro amigo, é uma frase batida: poucos estão satisfeitos. Eu, que arrisco sujestões para você acreditando que podem te ajudar, não sei o que faço comigo mesma. Segunda-feira me senti Na Vala: Sempre fui rio pequeno/De leito profundo/Grandes paredes de cânion me separam do mundo./Ninguém chega/Nem vislumbro/Às vezes me encho/Subo/Sonho com superfícies,transbordamentos/Em outras,diminuo tanto/Quase sumo na areia do meu leito:a vala onde corro deitada//O bom, é que pra onde eu vou, todos seremos apenas água.

    Só saí por causa da poesia, que transforma o sofrimento em delicadeza. Escrever é um ato de gentileza comigo mesma, um ato de respeito com minha vida e seus desencontros. Uma coragem de sonhar.


    Dias melhores para ti!

    # "ESTOU NU DIANTE DA MEMÓRIA E NÃO POSSO AMÁ-LA" me deixou suspensa, imóvel diante da força trágica desse verso.

    Continue firme, centauro. Suas flechas indo cada vez mais longe,atingindo os alvos mais distantes.

    Rios.

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  2. sabe amigo,
    a única coisa que eu gostaria de fazer agora era estar numa montanha, sentir a pedra machucando minha mão, os dedos se esforçando para erguer o corpo cansado, não ter certeza se me espera o topo ou o tombo, olhar para baixo e ver um rio se movendo lá longe, ver plantas rasteiras me rodeando indiferentes à minha ínfima e vaidosa epopéia, sentir as costas esmagadas pela mochila que a cada passo pesa mais, a sede, o cansaço, o olhar aflito pro alto, o desejo de que o próximo passo seja bem sucedido, o medo ansioso de que o próximo passo seja o último, as mãos suando frio, a adrenalina, quem sabe, o topo.
    sabe amigo, tudo isso é mito. e depois do topo, o que vem? sabe amigo, tudo isso é ilusão. amigo, pergunto: existe algo que não seja?
    um outro equinumano

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  3. Querido amigo Marcelo,

    Não existe volta, não é?
    Por isso me emociona seu consolo à Avó,
    porque o câncer não vai passar.
    Por isso também me emociona o desejo de olhar pra trás, mesmo sabendo que se virará sal (todos somos pó!).

    Acho que voltar, rever, são expressões de um desejo, não são exatamente atitudes. Parecem verbos mágicos, que não acontecem efetivamente, mas que comunicam alguma coisa. E comunicam assim... ao modo de uma armadura
    feita só de vento.

    Com carinho da sua amiga,
    Martinha

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  4. Voltando a setembro, essa armadura feita só de vento é o que torna real. E minas aguarda e guarda com delicadeza os ventos entre suas montanhas
    Iracema

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  5. Para Rios,

    Fui ao Velho Chico, recordei o seu comentário.
    Entrei na água, não muito distante da margem, e brinquei de meditar.
    Sentei-me sobre minhas panturrilhas; abri os braços; fechei os olhos.
    Senti a correnteza tocar meu corpo, desviar-se. Escorregar entre meus dedos, passar por minha cintura, levar embora a areia que me apoiava.
    Às vezes, quando a corrrenteza era mais forte desequilibrava-me, mas eu voltava a meditar. Sublime!
    Na despedida, toquei minha face nas suas águas, falei baixinho que ele precisa de revitalização e não de transposição. Beijei-o!

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