terça-feira, 5 de janeiro de 2010

Visar a Pobreza

Uma pergunta incômoda: quem realmente conhece a pobreza? Não me refiro aos pobres e miseráveis, evidentemente, que hoje compõem quase 50% da população mundial. Esses a conhecem – e bem. Refiro-me aos outros 50%, àqueles cuja sobrevivência não está sob direta ameaça. Quantos desses – quantos de nós – conhecem a pobreza? É desnecessário responder, pois a resposta é óbvia. Há que se perguntar o porquê. Por que apenas poucos? A falta de interesse e a desconsideração com o bem alheio não explicam tudo.

Poucos conhecem-na porque é ocultada. A pobreza sopeia a escória. Não é notícia nem atração turística: vale mais encoberta que exposta. E é por isso que se torna uma questão, tanto moral quanto política, ainda mais relevante. Nossa época é extremamente cruel. Gastamos com guerras e resgate de bancos muito mais do que seria necessário para assegurar alimentação, água tratada, saneamento básico, moradia, educação básica e atendimento médico a todos os habitantes do planeta, como apontam os dados da ONU. Mas o que importa a vida dos pobres e miseráveis, dessas dezenas de milhões? Há melhor ocultação que a morte precoce?

Sob essa perspectiva, o mero fato de manterem-se vivos tornou-se um ato político de primeira grandeza. Espécie de manifestação silenciosa, como negar que o simples existir será sempre uma denúncia da injustiça que não se pode dissimular? Imaginar que vivam e que apareçam, embora raramente, é imaginar que a estrutura que os exclui permanecerá exposta a quem tiver olhos para ver. Quem de nós, porém, se dispõe a conhecê-la?

Um comentário:

  1. Uma das minhas paixões é ter uma boa noite de sono. Nada melhor do que minha confortável cama e os lençóis com cheiro de amaciante. Quando deito sinto meu corpo relaxar, independentemente do grau de estresse do meu dia.
    Meu corpo repousa, meus pensamentos não.
    Sinto uma angústia inexplicável ao lembrar das inúmeras pessoas que não têm a comodidade de uma cama igual à minha.
    Demoro a dormir.
    Por que eu posso ter uma cama confortável e várias outras pessoas não podem desfrutar???
    Crianças ao relento da noite cobertas com papelão.
    Adultos e idosos dormindo em calçadas e bancos de praças.
    Enfermos estirados no chão de hospitais públicos porque faltam os desconfortavéis leitos.
    Presidiários passando à noite em pé por causa das celas mega lotadas.
    Famílias amontoadas em baixo de árvores e viadutos.

    Por que? Para que?

    Eles são tão humanos quanto nós.`
    É sempre o mesmo blá...blá...blá... demagogo. Justificativas medíocres. Ações para atenuar a pobreza, poucas.
    Mortalidade infantil, desnutrição, raquitismo, variadas doenças por falta de profilaxia, acentuada violência, prostituição, negação dos direitos básicos, etc, etc, etc relevam e concretizam a pobreza.
    E prefiro nem adentrar na pobreza interiorana que todos nós possuímos.
    Detesto determinadas revistas. É nojento ver que tem bolsas (talvez, com pele de animal em extinção), vestidos, ternos,... com valores exorbitantes, mas o pior é saber qua há uma minoria consumista dessas "relíquias exclusivas", as quais serão utilizadas uma só vez porque logo sai da moda.
    É nojento duas vezes.
    A "importante" Madame pode comprar um colar de R$ 500.000,00 e aquela família não pode pagar o aluguel, atrasado, do cortiço (R$ 150,00). Amanhã serão despejados e o viaduto da cidade já está lotado.
    Injusto!
    Uma criança, com faixa etária entre 8 a 10 anos, perguntou se as pessoas ricas utilizavam o vaso sanitário e o papel higiênico como ela usava. É perceptível a profundidade do questionamento.
    Organicamente, somos todos parecidos, salve as exceções. Contudo, existe um abismo financeiro que separa, explora, humilha, guerria, rouba sonhos, aborta o mínimo de dignidade humana.
    Inumano!
    As causas e os efeitos da pobreza tornaram-se abjetos. Talvez, essa seja a dificuldade de não nos dispormos a conhecê-la.
    Nossa psicoadaptação.

    Vi ontem um bicho
    Na imundície do pátio
    Catando comida entre os detritos.
    Não examinava nem cheirava:
    Engolia com voracidade
    O bicho não era um cão
    Não era um gato
    Não era um rato
    O bicho, meu Deus, era um homem.

    (Manuel Bandeira)


    Por que tem que ser assim???


    Luciana Silva

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