quinta-feira, 14 de outubro de 2010

Uma nota eleitoral

É com imensa tristeza que acompanho os rumos da política no Brasil. Ainda criança, lembro-me de assistir à posse de Collor ao lado de meu pai, que, sempre impaciente, foi incapaz de me explicar a importância daquele evento. Àquela altura, não sabia dimensionar o que acontecia, mas, desde então, a política passou a me interessar, em especial pelo fato de residir ao lado de uma grande favela. O incômodo pela pobreza, pela desigualdade e violência, é uma marca indelével que carrego comigo, donde meu anseio em conhecer um mundo justo.
Admito com franqueza, portanto, uma especial atenção para o problema da distribuição de renda. Considero inadmissível que tenhamos um único cidadão na miséria e não consigo conceber como aceitamos que milhões (ou mais de um bilhão, se pensarmos no globo) sobrevivam abaixo do limiar da dignidade. Dessa perspectiva, parece-me relevante, em cada processo eleitoral, rastrear onde se encontram as forças sociais que pendem para a concentração de riqueza, poder e influência.
Além disso, sinto-me seguro em dizer que a separação entre estado e religião é salutar, que se trata de uma verdadeira conquista da modernidade, embora nunca tenha sido levada a cabo plenamente. Julgo-a salutar, dentre outras razões, porque a religião – se observarmos a história – sempre esteve à mercê de líderes radicais ou de convicções que conduzem à intolerância e à guerra. Lembremos apenas as disputas entre católicos e protestantes e quanto sangue ela fez correr, quanto sangue inútil derramou. Se desejamos estar protegidos dos excessos que os fanáticos não cansam de reavivar, é preciso que o poder político se mantenha isento quanto às questões de fé.
Isso significa que o estado de direito não pode legitimamente penetrar o reduto sagrado das crenças íntimas: é tirania coagir cidadãos a crer ou descrer de seu Deus e seus dogmas. Todavia, o estado também não pode voltar suas costas para a realidade e omitir-se perante o que de fato acontece. Quando se fala em aborto, em direitos civis, em pesquisas com células-tronco, fala-se em questões que afligem a sociedade e que devem ser solucionadas política e não religiosamente. Ninguém pretende tornar o aborto obrigatório, exigir que todos se casem com pessoas do mesmo sexo ou deixar que os cientistas usem células-tronco para se divertir em laboratórios. Muito pelo contrário. A verdadeira questão, agora mais do que nunca, é a liberdade e a responsabilidade.
Sendo assim, penso que o debate político e a discussão de programas de governo, sobretudo no tocante à desigualdade econômico-social, não devem ser obscurecidos por meio de referências sensacionalistas a artigos de fé. É preciso que as análises se façam com a racionalidade possível e com o mínimo apelo às paixões. É do diálogo aberto que precisamos, não de subterfúgios retóricos e estratagemas eleitoreiros. No entanto, se cumpre fazer apelo à religião, penso que devemos recordar a profecia de Isaías: não haverá paz enquanto não houver justiça (Is. 32:17), profecia que manteve e manterá sempre acesa a chama da esperança e da luta daqueles que almejam um Brasil para todos.

2 comentários:

  1. ... o debate presidencial de ontem foi menos obscurantista que o anterior. temas de saúde pública, como o controverso do aborto, deixaram de ser usados para ofuscar a falta de projetos políticos de Serra ... e a Marina não surpreendeu ao declarar oficialmente que ficará em cima do muro no segundo turno, embora uma ala da direção do pv esteja pronta a se engajar na campanha tucana.

    Janaína.

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  2. ué, agora estão dizendo que Marina apoia Dilma... se for verdade, eu acho muito bom! li a respeito de sua declaração oficial de "neutarlidade", chamada por ela de "independência" na Folha de S.P. deste domingo... mas vai saber quem está mentindo... rs. se for mentira, eu prefiro a Marina Fake!

    Janaína.

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