quinta-feira, 4 de novembro de 2010

Pathos

pra Lídia,
pela oportunidade
Recentemente, recebi um convite muito honroso para participar de uma disciplina sobre diáspora africana e pós-colonialismo. Como não tinha nada a palestrar a esse respeito, propus-me a falar sobre etnocentrismo, tomando como ponto de partida o célebre Dos Canibais de Montaigne. Essa tarefa, para a qual não tinha nada pronto, levou-me a fazer uma série de leituras e percorrer campos que, até então, somente namorava. Foi ótimo visitar expoentes do evolucionismo cultural e topar com A Conquista da América do T. Todorov.

Passo a passo, à medida que progredia na preparação e nas descobertas, a urdidura de argumentos e idéias foi se fazendo. Quando me dei conta, já tinha em mãos alguns problemas bem costurados e uma formulação aceitável dos desafios a que conduziam. Obviamente, não erigi nenhum grande constructo, mas, em filosofia, penso que é interessante darmo-nos o direito de buscar não apenas a sustentação de teses, mas a explicitação de irresoluções. Por instinto e princípio, aliás, desacredito em sistemas e, entre uma demonstração e um desafio, pendo inelutavelmente para esse último, ainda mais quando é o caso de conciliar diferença e hierarquização, identidade e igualdade.

Acontece, contudo, que o velho Drummond bateu à porta... Desta vez, menos para perturbar e mais para esclarecer. Lendo e pensando sobre a questão da alteridade, veio-me à memória o Destruição (do Lição das Coisas), que começa assim: “Os amantes se amam cruelmente / e com se amarem tanto não se vêem. / Um se beija no outro, refletido. / Dois amantes que são? Dois inimigos.” Em quatro versos, o paradoxo: a máxima proximidade é também o maior ocultamento.

– Como, então, conhecer o outro?
(Silêncio)

No encontro com os alunos, partilhei o poema e o espanto, mas não falei do trágico.

2 comentários:

  1. Parece-me que o outro é/sempre foi, o nosso grande desafio, sobretudo nesses nossos dias: somos contemporâneos de um individualismo que de pouco em pouco assume o lugar de pedra ângular das relações humanas.

    abraço,

    Bernardo Reis.

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  2. Lembrei-me de uma conhecida que vez ou outra escreve, desesperada por conta das evasivas relações amorosas: "onde estão os verdadeiros encontros?", "por que nos escondemos tanto?", "por que nos protegemos tanto um do outro?". Drummond explica.
    Estamos - nós, os Narcisos em busca de espelhos - precisando de nos estranhar e tentar encontrar familiaridades noutros cantos.

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