sexta-feira, 7 de agosto de 2009

Atentada Tradução III: Michel de Montaigne

I.53: D’un mot de Cesar
[A] Si nous nous amusions [occupions] par fois à nous considerer, et le temps que nous mettons à contreroller [contrôler] autruy et à connoistre les choses qui sont hors de nous, que nous l'emploissions à nous sonder nous mesmes, nous sentirions aisément combien toute cette nostre contexture [ce composé que nous sommes] est bastie de pieces foibles et defaillantes [imparfaites]. N'est-ce pas un singulier tesmoignage d'imperfection, ne pouvoir r'assoir [asseoir, établir] nostre contentement en aucune chose, et que, par desir mesme et imagination, il soit hors de nostre puissance de choisir ce qu'il nous faut? Dequoy porte bon tesmoignage cette grande dispute [discussion] qui a tousjours esté entre les Philosophes pour trouver le souverain bien de l'homme, et qui dure encores et durera eternellement, sans resolution [solution] et sans accord:

[B] dum abest quod avemus, id exuperare videtur
Caetera; post aliud cùm contigit illud avemus,
Et sitis aequa tenet.
[Tant qu’il nous échappe, l’objet de notre désir nous paraît toujours préférable à toutes choses ; venons-nous à en jouir, un autre désir nous naît, et notre soif toujours est égale. (Lucr., III, 1095)]

[A] Quoy que ce soit qui tombe en nostre connoissance et jouïssance, nous sentons qu'il ne nous satisfaict pas, et allons beant apres les choses advenir et inconnues, d'autant que les presentes ne nous soulent [rassasient] point: non pas, à mon advis, qu'elles n'ayent assez dequoy nous souler, mais c'est que nous les saisissons d'une prise malade et desreglée,

[B] Nam, cùm vidit hic, ad usum quae flagitat usus,
Omnia jam ferme mortalibus esse parata,
Divitiis homines et honore et laude potentes
Affluere, atque bona natorum excellere fama,
Nec minus esse domi cuiquam tamen anxia corda,
Atque animum infestis cogi servire querelis:
Intellexit ibi vitium vas efficere ipsum,
Omniaque illius vitio corrumpier intus,
Quae collata foris et commoda quaeque venirent.
[Car il vit que les mortels ont à leur disposition à peu près tout ce qui est nécessaire à la vie ; il vit des hommes gorgées de richesses, d’honneurs et de réputation, fiers de la bonne renommée de leurs enfants ; et pourtant il n’en était pas un qui, dans son for intérieur, ne fût bourrelé d’angoisse, et dont le cœur ne fût oppressé de plaintes douloureuses : il comprit alors que le défaut venait du vase lui-même, et que ce défaut corrompait à l’intérieur tout ce qui du dehors on y introduisait de bon. (Lucr., VI, 9)]

[A] Nostre appetit est irresolu [indécis, indéterminé] et incertain: il ne sçait rien tenir, ny rien jouyr de bonne façon. L'homme, estimant que ce soit le vice [défaut] de ces choses, se remplit et se paist d'autres choses qu'il ne sçait point et qu'il ne cognoit point, où il applique ses desirs et ses esperances, les prend en honneur et reverence: comme dict Caesar, « communi fit vitio naturae ut invisis, latitantibus atque incognitis rebus magis confidamus, vehementiusque exterreamur. » [Il se fait, par un vice ordinaire de nature, que nous ayons et plus de fiance, et plus de crainte des choses que nous n’avons pas veu, et qui sont cachées et inconnues. (Traduction que donne Montaigne dans les éditions de 1580 et de 1588, César, De bello civili, II, iv.)]

I.53: De uma frase de César

[A] Se às vezes nos ocupássemos em nos observar e se empregássemos a sondar a nós mesmos o tempo que dispensamos a controlar os outros e a conhecer as coisas que estão fora de nós, sentiríamos facilmente como toda esta contextura [este composto de que somos formados] é construída de peças frágeis e falhas. Não é um singular testemunho de imperfeição não poder assentar nosso contentamento em coisa alguma e que, mesmo por desejo e imaginação, esteja fora de nosso poder escolher o que nos é preciso? Disso oferece um bom testemunho a grande disputa que sempre houve entre os filósofos para encontrar o soberano bem do homem e que ainda dura e durará eternamente, sem resolução e sem acordo:

[B] dum abest quod avemus, id exuperare videtur
Caetera; post aliud cùm contigit illud avemus,
Et sitis aequa tenet.
[Enquanto nos escapa, o objeto de nosso desejo nos parece sempre preferível a todas as coisas. Quando dele fruímos, nasce em nós um outro desejo e nossa sede é sempre igual. (Lucrécio Da Natureza das Coisas III.1095)]

[A] O que quer que caia em nosso conhecimento e fruição, nós sentimos que não nos satisfaz e vamos boquiabertos atrás das coisas futuras e desconhecidas, já que as presentes não nos satisfazem: não, assim vejo, que não tenham o bastante para nos satisfazer, mas é que as pegamos com uma mão doente e desregrada,

[B] Nam, cùm vidit hic, ad usum quae flagitat usus,
Omnia jam ferme mortalibus esse parata,
Divitiis homines et honore et laude potentes
Affluere, atque bona natorum excellere fama,
Nec minus esse domi cuiquam tamen anxia corda,
Atque animum infestis cogi servire querelis:
Intellexit ibi vitium vas efficere ipsum,
Omniaque illius vitio corrumpier intus,
Quae collata foris et commoda quaeque venirent.
[Pois ele viu que os mortais têm à sua disposição quase tudo que é necessário à vida; viu homens empanturrados de riquezas, de honras e de reputação, orgulhosos do bom renome de seus filhos e, contudo, não havia um que, em seu foro interior, não estivesse atormentado de angústia e cujo coração não fosse oprimido por queixas dolorosas. Ele compreendeu então que o defeito vinha do próprio vaso e que esse defeito corrompia pelo interior tudo que de fora lhe era introduzido de bom. (Lucrécio Da Natureza das Coisas VI.9)]

[A] Nosso espírito é irresoluto e incerto: ele não sabe nada reter nem nada fruir adequadamente. O homem, pensando que se tratasse de falha nas coisas, encheu-se e nutriu-se de outras coisas que ele não sabe e que não conhece, nas quais imprime seus desejos e suas esperanças, tomando-as com honra e reverência. Como diz César, “communi fit vitio naturae ut invisis, latitantibus atque incognitis rebus magis confidamus, vehementiusque exterreamur.” [Acontece, por um vício ordinário da natureza, que tenhamos mais confiança e mais medo das coisas que não vimos e que estão ocultas e desconhecidas. (César De bello civili II.iv – tradução feita por Montaigne nas edições d’Os Ensaios de 1580 e de 1588.)]

2 comentários:

  1. O presente

    Até mesmo os melhores,
    Incapazes de viver o presente.
    De sorrir para o presente,
    de estar presente,no mísero e precioso presente.
    Adoecemos por não estar presente,
    Desejamos o que não está presente,
    Desesperados, tentamos reter o que passou.
    Sina, defeito, qual o nosso problema?
    Jovens educados com liberdade, consciência, amor, paciência, boa escola, bons mestres;
    Suicidam-se
    Perdem-se
    Não conseguem viver.
    Vinte séculos, quarenta séculos; não foram o bastante para o homem aprender a viver.
    Morremos todos como bêstas,
    Nossa paz é a paz das bêstas,
    Nossa satisfação é a satisfação das bêstas.
    A arte, a filosofia;
    Não nos tem salvado.
    Eles continuam pulando de suas sacadas.
    Não pudemos evitar que Edvaldos e Pedros morressem
    de dor de viver.
    A arte não salva
    Filosofia não salva
    Dinheiro não salva
    Paixão não salva.
    Sorrir para o presente talvez nos salve.

    Essa parceria com o vento, que auxilia a comunicação silenciosa entre seres incomunicáveis, também ajuda.

    Obrigado
    meu caro
    Centauro.

    Raquel






    R.Rios

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  2. Centauro, amigo querido,

    As traduções me deram vontade de rechear seus temas com outros olhares, com mais leveza. Envio então um trecho de Raduan Nassar.

    Com carinho,
    Martinha

    "O tempo é o maior tesouro de que um homem pode dispor;
    embora inconsumível, o tempo é o nosso melhor alimento; sem medida que o conheça, o tempo é contudo nosso bem de maior grandeza: não tem começo, não tem fim; é um pomo exótico que não pode ser repartido, podendo entretanto prover igualmente a todo mundo;
    onipresente, o tempo está em tudo; existe tempo, por exemplo, nesta mesa antiga: existiu primeiro uma terra propícia, existiu depois uma árvore secular feita de anos sossegados, e existiu finalmente uma prancha nodosa e dura trabalhada pelas mãos de um artesão dia após dia; existe tempo nas cadeiras onde nos sentamos, nos outros móveis da família, nas paredes da nossa casa, na água que bebemos, na terra que fecunda, na semente que germina, nos frutos que colhemos, no pão em cima da mesa, na massa fértil dos nossos corpos, na luz que nos ilumina, nas coisas que nos passam pela cabeça, no pó que dissemina, assim como em tudo que nos rodeia; rico
    não é o homem que coleciona e se pesa no amontoado de moedas, e nem aquele, devasso, que se estende, mãos e braços, em terras largas; rico só é o homem que aprendeu, piedoso e humilde, a conviver com o tempo, aproximando-se dele com ternura, não contrariando suas disposições, não se rebelando contra o seu curso, não irritando sua corrente, estando atento para o seu fluxo, brindando-o antes com sabedoria para receber dele os favores e não a sua ira; o equilíbrio da vida depende essencialmente deste bem supremo, e quem souber com acerto a quantidade de vagar,
    ou a de espera, que se deve pôr nas coisas, não corre nunca o risco, ao
    buscar por elas, de defrontar-se com o que não é [...]"

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