segunda-feira, 20 de julho de 2009

Critério Tristeza

Com uma freqüência variável, mas sempre sem grandes intermitências, percebo em mim uma tristeza que não sei explicar. Incapaz de detectar-lhe a causa, sinto-a, no entanto, bem presente em mim, pois que meus olhos miram o chão e minhas costas levemente se curvam sob um fardo invisível. Tristeza diáfana, sei que não tem um motivo concreto, sei que não emerge de nenhum outro acontecimento senão do fato de estar vivo.

Insinuações já ouvi de que se trata de doença, leviandade dificilmente igualável. Há quem diga que sou melancólico, classificando meu humor ao modo dos antigos, que haveriam de atribuí-lo à bile negra. De minha parte, não almejo explicá-lo de maneira definitiva, porquanto parece-me claro que a vida – mesmo quando verdadeiramente feliz – comporta um traço de dor.

Vivemos, contudo, um tempo em que é imperativo ser feliz, tempo no qual a alegria se configurou num manto ostensivo e opressor. Tornou-se obrigatório aparentar contínua felicidade e suspeito haver tolos que se julguem realmente bem-aventurados, por certo os mesmos que concebem a tristeza como patologia. Farsa, auto-engano, caráter infantil, superficialidade. Muitas palavras poderiam designar tal ilusão.

De meu temperamento, do qual colho frutos ora mais, ora menos interessantes, extraí um metro que faço questão de manter a mão: a radical desconfiança dos que nunca se entristecem. Desconfio de que tais pessoas sejam incapazes de travar conversas íntimas e aprofundadas uma vez que menosprezam a introspecção, às custas da qual tentam inscrever em seus rostos um sorriso que não lhes pertence. E como conviver com quem vive envolto na névoa da felicidade contrafeita?

Permito-me estar convicto, a despeito de qualquer rasgo melancólico, de que existem pessoas às quais não cabe partilhar minha intimidade. Metro em punho, distingo-as recorrendo à tristeza, pois sei que quem desconhece a dor não tem meios para me compreender.

5 comentários:

  1. Porque será que a tristeza nos parece tão profunda e a alegria tão superficial?
    Arriscando; a alegria, se fosse igualmente profunda, enraizada em nosso âmago e jorrada depois de nos atravessar por inteiro, talvez se parecesse com a tristeza afinal, porque em seu trajeto de água de mina prestes a brotar, seriam tantos os temperos a lhe temperar, e tantas aa pedras a dar-lhe polimento, que ela brotaria suavemente, alegria serena, sem escandalizar e sem ferir a tristeza alheia, também ela, tanto mais serena quanto profunda e balanceada.
    Explicações sem sentido? Talvez.
    O problema é tal que a ninguém se pede que lhe explique o motivo de ser sempre alegre, já os que não o são tem sempre que justificar sua tristeza, vista como algo negativo, um defeito até.
    Sim, a tristeza é isso, um recolher-se, encarar-se e conhecer-se um pouco mais. Quem, ao fazer isso pode se jactar de sua excelência e da excelência da sua vida e sair por aí às gargalhadas?
    Também desconfio deles. Penso que não podem dar um passo sequer, para dentro de si, e tão pouco estarão dispostos a conhecer alguém mais do que conhecem a si mesmos.
    Não se trata de um elogio a tristeza, mas de colocá-la em seu devido lugar, nem boa nem má, um sentimento que brota do silêncio, do aprendizado de si mesmo, da consciência de nossa transitoriedade, pequenez e finitude; mas que pode ser também temperado, com a grandeza do amor que sentimos por esta terra e pela Vida eterna da qual fazemos parte...
    Pensamentos que deixo direto nessa tela, sem muita análise, pra alimentar a conversa e dispersar a névoa.
    abraço, raro amigo,

    Raquel Rios

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  2. Prezado Homem-Cavalo,

    À parte concordar com sua reprimenda à ditadura da felicidade e a certos entes plastificadamente felizes, acho algo complicado afirmar que a tristeza "não emerge de nenhum outro acontecimento senão do fato de estar vivo". Que todos têm seus momentos de infelicidade e que alguns possam querem escondê-los, é certo. Mas minha impressão, minha sensação, é de que, no fundo, a felicidade é o sentimento básico humano, o mais simples, o mais "natural", digamos. Pare por um momento em um lugar confortável (nem muito quente, nem frio; nem muito duro, nem macio; nem claro demais, nem escuro), respire fundo algumas vezes, solte os músculos e concentre-se no seu corpo. Não pense em nada (e essa parte não é fácil). A sensação que se segue é boa. Enquanto não colocarmos (nós, indivíduo; nós, grupos; nós, culturas) coisas demais a atrapalhar nossa vida, minha impressão é que o fluxo da vida nos leva para o lado da felicidade. É a impressão que tenho também ao visitar pequeninas cidades, de povo simples. Lá, ao menos, as pessoas são fundamentalmente felizes, me parece.

    Conclusão: que você tenha momentos inexplicáveis de tristeza, tudo bem. Mas há também quem tenha momentos inexplicáveis de alegria e felicidade. Que você encare a tristeza como o pano de fundo da vida, tudo bem. Mas há também quem entenda diferente - e possa, talvez até por encarar a vida como basicamente feliz, acabar parecendo, no dia-a-dia, estar sempre feliz.

    PS: Muitos budistas possivelmente concordariam comigo, inclusive. [Risos]

    Abraço.

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  3. Flávio, me encaixo bem no que tu escrevestes. Por isso reproduzo um poema de Fernando Pessoa.
    "SE eu pudesse trincar a terra toda
    E sentir-lhe uma paladar,
    Seria mais feliz um momento...
    Mas eu nem sempre quero ser feliz.
    É preciso ser de vez em quando infeliz
    Para se poder ser natural...
    Nem tudo é dias de sol,
    E a chuva, quando falta muito, pede-se.
    POr isso tomo a infelicidade com a felicidade
    Naturalmente, como quem não estranha
    Que haja montanhas e planícies
    E que haja rochedos e erva...
    O que é preciso é ser-se natural e calmo
    Na felidade ou na infelicidade,
    Sentir como quem olha,
    Pensar como quem anda,
    E quando se vai morrer, lembrar-se de que o dia morre,
    E que o poente é belo e é bela a noite que fica...
    Assim é e assim seja."
    Abraço
    Mauro Bittar

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  4. Inúmeras são as vezes que tenho questionado o que é a felicidade.
    Felicidade, alegria?
    Insiro-me no grupo dos solitários, melancôlicos, introspectivos, depressivos, nostálgicos, diferentes, doloridos...,(Ufa!) são tantas as denominações para aqueles que não usufruem, integralmente, da felicidade vísivel, socializada e, se possível, clareada com holofote da mídia.
    Sou um ser triste? É genético, congênito ou adquirido?
    Não sei.
    A felicidade é enigmática, para mim. Todavia, surpeendo-me na divagação que os bons momentos e a presença de pessoas queridas deveriam eternizar-se. Cristalizar a felicidade que sinto.
    É almejo ingênuo, sei.
    O antagonismo da felicidade e da tristeza é interessante - embora eu compreenda o mínimo - fugacidade da felicidade, tristeza duradoura.
    Por que a tristeza é mais fácil para se instalar? Seria alicerce para uma vida reflexiva? Vereda à intimidade?
    Ou seria entrave para uma vida que poderia ser vivida de outra maneira? Os denominadores e felizes teriam razão? Continuo sem saber.
    Meu sorriso é interno, muitas vezes. Não aprendi a contar piadas sem graças. Não costumo expelir simpatia para os estranhos que cruzam meu caminho. Sou anômala no meio dos normais.
    Outro dia ri muito com um comentário feito por Mário Quintana, ele disse: "Dizem que sou tímido. Nada disso! Sou é caladão, introspectivo. Não sei porque sujeitam os introvertidos a tratamentos. Só por não poderem ser chatos como os outros? Exatamente por execrar a chatice, a longuidão, é que adoro a síntese." (rsrsrs...)
    Vagueio pelo meu deserto nortuno (local de desolação), às vezes, fica muito mais frio e demoro a encontar o cobertor.
    O silêncio acolhe-me.
    Não quero receber, a domicílio, a pílula da felicidade - dizem que é milagrosa - então continuarei a minha caminhada , ou melhor, a travessia (né, Marcelo) na busca por instantes felizes e convivendo com minha introspecção.


    "Um torvelinho de emoções
    Na cristalina solidão"
    (Zé Ramalho)


    Luciana Silva

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  5. Sinto sede, bebo água e o tempo passa...
    Sinto sede, bebo água e o tempo passa...
    Sinto sede, bebo água e o tempo passa...

    Cansei!

    Tem Água da Vida ai?

    Pequeno Novato

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