Não tenho televisão e nem pretendo ter. Quando não morava só, entretanto, às vezes assistia um ou outro programa na TV de casa: nos momentos em que não queria fazer nada, punha-me a zapear na expectativa de encontrar algo que não fosse pura estupidez ou puerilidade.
Certa vez, acompanhei uma entrevista com a dupla Zezé di Camargo & Luciano. Do que disseram, ficou apenas uma mísera lembrança. Interrogado sobre o critério de qualidade de suas composições (certamente a pergunta foi feita noutros termos, mas asseguro não trair o sentido), Zezé saiu-se com uma resposta direta: o arrepio. Quando uma composição o toca a ponto de arrepiá-lo, eis então uma canção boa. (Observo, porém: não consegui detectar se “boa”, naquele contexto, significava “de sucesso de público”.)
Achei curioso o meio por ele descoberto para avaliar suas próprias composições. E isso porque nada do que eles fizeram, ou melhor, nada do que conheço que fizeram causou-me a menor comoção. Nunca achei que retratassem satisfatoriamente qualquer vivência com a qual pudesse me identificar.
Tempos depois, pensando sobre o resquício que me ficou daquela entrevista, dei-me conta de que a expressão de meus sentimentos se faz a partir de referenciais distintos. A fórmula de meus amores e dores, a manifestação de minha angústia, o lamento pelos desencontros – choro e rio por meio de outras palavras e ritmos, foi o que concluí. Minha sensibilidade pinta-se com outros tons e é por isso que minha vivência encontra melhor representação por meio de outras vozes, quando não apenas pelo silêncio.
Ouso pensar que há formas mais ou menos sofisticadas do sentir e do exprimir-se, mas não tenho cacife para elevar essa opinião a um estágio fundamentado. Em todo caso, reconheço a existência de outras expressões da sensibilidade e me parece ser essa a razão do sucesso disso que ora se chama sertanejo (totalmente desvinculado do que o sertão de fato é). Tenho como inegável que Zezé di Camargo & Luciano conseguem comunicar-se com um grande público, traduzindo e formando uma sensibilidade comum e que ocorre de não ser a minha. Sinceramente acredito que Zezé, autor de várias das canções da dupla, tenha sido verdadeiro quando disse que seu critério de composição é o arrepio. Tendo inclusive a estar de acordo. O que nos diferencia é seu significado. Num caso, emoção. Noutro, indulgência.
Certa vez, acompanhei uma entrevista com a dupla Zezé di Camargo & Luciano. Do que disseram, ficou apenas uma mísera lembrança. Interrogado sobre o critério de qualidade de suas composições (certamente a pergunta foi feita noutros termos, mas asseguro não trair o sentido), Zezé saiu-se com uma resposta direta: o arrepio. Quando uma composição o toca a ponto de arrepiá-lo, eis então uma canção boa. (Observo, porém: não consegui detectar se “boa”, naquele contexto, significava “de sucesso de público”.)
Achei curioso o meio por ele descoberto para avaliar suas próprias composições. E isso porque nada do que eles fizeram, ou melhor, nada do que conheço que fizeram causou-me a menor comoção. Nunca achei que retratassem satisfatoriamente qualquer vivência com a qual pudesse me identificar.
Tempos depois, pensando sobre o resquício que me ficou daquela entrevista, dei-me conta de que a expressão de meus sentimentos se faz a partir de referenciais distintos. A fórmula de meus amores e dores, a manifestação de minha angústia, o lamento pelos desencontros – choro e rio por meio de outras palavras e ritmos, foi o que concluí. Minha sensibilidade pinta-se com outros tons e é por isso que minha vivência encontra melhor representação por meio de outras vozes, quando não apenas pelo silêncio.
Ouso pensar que há formas mais ou menos sofisticadas do sentir e do exprimir-se, mas não tenho cacife para elevar essa opinião a um estágio fundamentado. Em todo caso, reconheço a existência de outras expressões da sensibilidade e me parece ser essa a razão do sucesso disso que ora se chama sertanejo (totalmente desvinculado do que o sertão de fato é). Tenho como inegável que Zezé di Camargo & Luciano conseguem comunicar-se com um grande público, traduzindo e formando uma sensibilidade comum e que ocorre de não ser a minha. Sinceramente acredito que Zezé, autor de várias das canções da dupla, tenha sido verdadeiro quando disse que seu critério de composição é o arrepio. Tendo inclusive a estar de acordo. O que nos diferencia é seu significado. Num caso, emoção. Noutro, indulgência.
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ResponderExcluirCaríssimo Flavio. Muito boa sua "variação" sobre o arrepio. E me traz boas lembranças. Eu entendo o ponto do Zezé di Camargo. Quando eu morava em Iconha, meu pai costumava me levar para assistir duplas caipiras nos fins de semana, meio em que uma canção realmente adquire total maestria quando é capaz de fazer alguns ouvintes apontarem para seu braço (um modo bem interno de dizer que uma melodia foi capaz de arrepiá-lo). E, embora nem um fio capilar do meu antebraço esboce algum movimento ao escutar as composições do Zezé di Camargo e Luciano, ainda me arrepio ao ouvir canções de duplas como Pena Branca e Xavantinho, Tião Carreiro e Pardinho, Tonico e Tinoco...
ResponderExcluirAcredito que esta expressão do Zezé di Camargo venha de sua história na música caipira. Paradoxalmente, penso que sua investida (e de seus pares, alguns muito piores) na carreira de sucesso tenha sido transformar o estilo musical sertanejo em um simulacro muito empobrecido da música caipira. Por isso, talvez, o arrepio musical tenha se tornado tão raro em nossos dias.
esse cara me arrepia: http://www.youtube.com/watch?v=e348n660zrA&feature=related
ResponderExcluirZezé di Camargo compôs a música que dá banho em qualquer crição de criaturas dos tempos da ditura. Veja:
ResponderExcluirAqui não falta sol
Aqui não falta chuva
A terra faz brotar qualquer semente
Se a mão de Deus
Protege e molha o nosso chão
Por que será que tá faltando pão ?
Se a natureza nunca reclamou da gente
Do corte do machado, a foice, o fogo ardente
Se nessa terra tudo que se planta dá
Que é que há, meu país ?
O que é que há ?
Tem alguém levando lucro
Tem alguém colhendo o fruto
Sem saber o que é plantar
Tá faltando consciência
Tá sobrando paciência
Tá faltando alguém gritar
Feito um trem desgovernado
Quem trabalha tá ferrado
Nas mãos de quem só engana
Feito mal que não tem cura
Estão levando à loucura
O país que a gente ama
Feito mal que não tem cura
Estão levando à loucura
O Brasil que a gente ama
(Meu país)