quinta-feira, 13 de agosto de 2009

Adélia Prado - Poesia e Humanização



pra Alline, irmã

Apenas muito tardiamente a literatura entrou em minha vida. Tinha 18 anos, passara há pouco no vestibular e me inquietava com minha ignorância. Pensava que um universitário e futuro administrador de empresas não podia ser tão inculto como eu era e impus-me a leitura de algumas obras, de cujo conteúdo não me restou uma gota, lidas como foram por puro constrangimento, mais como exercício da memória que do espírito.

Felizmente, porém, naquele mesmo período em que me abria à leitura, coisa até então odiada, topei com uma obra que descortinou o valor e o prazer da literatura: Cacos para um Vitral de Adélia Prado. Como nunca antes, senti que a leitura poderia iluminar minha própria vida, permitindo-me compreender melhor a mim e o mundo. Tocado pela beleza daquela prosa poética, sofri uma conversão que, só agora percebo, eu sempre desejara. Não tardou para que eu abandonasse a graduação que iniciaria e partisse para as humanidades a fim de trilhar um outro curso profissional e existencial. Inevitavelmente, caíra por terra o imperativo exterior que me constrangia à formação de uma pátina de cultura, dando lugar a um móbile íntimo e genuíno.

É impossível dimensionar o quanto a leitura modificou-me, pois, a rigor, deveria falar em renascimento, não em modificação. Contudo, na ausência de termos precisos, permito-me dizer que penetrei num novo universo a partir do qual a antiga vida mostrou-se insignificante, dado que menos bela e desafiadora. Descobri o quanto andamos cegos, olhos cheios de escaras. Não enxergamos a poesia, a beleza feliz e triste, que perpassa o dia-a-dia. À Adélia Prado devo essa e muitas outras descobertas. Devo-lhe ainda um entusiasmo que vez por outra se apossa de mim, vivo como uma flama, irrupção da verdade fundamental que a poeta encarna: a poesia está no cotidiano – porque no cotidiano está o divino.

PS: O vídeo da Adélia pode ser visto ou baixado no site do "Sempre um Papo".

5 comentários:

  1. Este comentário foi removido pelo autor.

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  2. Marcelo Centauro,

    Atrevimento. Após a experiência da beleza de ver o que vi, ler o que li, qualquer coisa que eu diga será atrevimento. Portanto, que Adélia fale mais uma vez dessa experiência, às vezes, assustadora por aquilo que há de esplêndido (seu disfarce)na linguagem dos afetos.


    ANTES DO NOME

    Não me importa a palavra, esta corriqueira.
    Quero é o esplêndido caos de onde emerge a sintaxe,
    os sítios escuros onde nasce o "de", o "aliás",
    o "o", o "porém" e o "que", esta incompreensível
    muleta que me apóia.
    Quem entender a linguagem entende Deus
    cujo Filho é Verbo. Morre quem entender.
    A palavra é disfarce de uma coisa mais grave, surda-muda,
    foi inventada para ser calada.
    Em momentos de graça, infreqüentíssimos,
    se poderá apanhá-la: um peixe vivo com a mão.
    Puro susto e terror.

    Adélia Prado

    Felicidades.

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  3. "A leitura de um bom livro é um diálogo incessante: o livro fala e a alma responde." - André Maurois.


    Sinto que devemos, todos, agradecimentos a Adélia Prado, se não por ter-nos tocado, por ter tocado alguém que nos toca. :)

    Repostei aquele texto de fim de semestre.

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  4. Pode, ué, lógico.
    O texto foi pra você, é seu. :)


    Que bom que você gostou, fiquei cheia de dedos, enfim...

    Um beijo grande.

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  5. Engraçado como hoje mesmo, desde ontem e anteontem, pensava em escrever algo sobre brumas, névoas, escaras, muros ou qualquer metáfora que sirva para falar sobre barreiras que nos (me) impedem de ver a beleza e a assim chamada por ti de "poesia feliz e triste" que nos rodeia e perpassa.
    Estou em dias brumosos, soprando a fumaça e abanando os braços e mãos pra tentar desobstruir a paisagem à minha frente.
    É bom te ler: é como um ventilador virado contra a neblina.
    Abraço do centauro,
    Quíron

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