sexta-feira, 25 de março de 2011

Com choro e com vela

Lembro-me como se fosse hoje do dia em que uma amiga me falou das carpideiras. Nunca ouvira falar na palavra e sequer imaginava que pudesse haver pessoas que fossem pagas para chorar por outras. Enterro, velório, mas também casamento e despedida, qualquer ocasião é ocasião para elas, desde que lágrimas sejam precisas. Interessante que o substantivo só exista no feminino: carpideiras são mulheres, mulheres que choram.

Num primeiro momento, fiquei muito surpreso e achei um absurdo. “Pagar alguém para chorar no seu lugar? Ou para impressionar terceiros?” Cheguei a supor que era invencionice contemporânea, mas a prática é antiga. Hoje, lendo uma biografia de Marco Polo, me dei conta de que existia numa cidade portuária do golfo pérsico no século XIII, quando se deram as andanças do veneziano: viúvas muçulmanas, que tinham de chorar a morte do falecido durante quatro anos consecutivos, todos os dias do ano, podiam, quando cansadas, recorrer a esse auxílio profissional.

Confesso que gostaria de entender a profissão, conversar com uma dessas senhoras, saber das histórias de lágrimas de crocodilo. Que significado dão à sua tarefa? Quem as contrata? Quanto custa a hora de choro? E, além disso, quando surgiu a prática de carpir? Onde? Como? Por que? Convenhamos: as carpideiras são intrigantes e uma alternativa curiosa para quem se cansou de chorar, já que não dá para delegar a tristeza, felizmente.

Um comentário:

  1. É, quando a tristeza se instala, daquelas, cujas causas você não pode remover no curto prazo...não tem ninguém que a sinta por você.
    Eu entendo as carpideiras. É fácil entrar na representação e chorar, chorar; voce pode pensar nas suas próprias dores, em tudo o que te faz derramar os olhos. Ruim mesmo é o inchaço no outro dia
    Bom te encontrar aqui novamente! Poucas pessoas dizem algo que eu queira comentar. Fiquei imaginando a mulher francesa e o homem chinês te ouvindo falar,com algum sotaque, mas com a delicadeza e a clareza que lhe é própria. É claro que os conquistou imediatamente. Me lembrei de um texto seu, no início do Armadura, em que "criticava" a vontade de alguns de sair do Brasil. Gostaria de saber suas impressões, seus pensamentos, agora que voltou.
    À mim, só me prende o afeto de algumas pessoas; no mais gostaria de ir, ir sempre.Outras paisagens, outras culturas,às vezes até pelo gosto de descobrir tanta igualdade nas diferenças.
    Se pudesse, contrataria uma carpideira pra chorar por mim.

    Benvindo às Minas, Centauro!
    Um abraço,
    Diana

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