domingo, 8 de maio de 2011

Última Liberdade

É difícil defender, / só com palavras, a vida
ainda mais quando ela é / esta que vê, severina.
JCMN – Morte e Vida Severina
Seria falso dizer que não imaginava que pudesse acontecer. No entanto, isso não significa que não tenha ficado surpreso com a notícia do suicídio de uma colega com quem convivi alguns anos durante minha graduação. Fomos bolsistas de um mesmo programa de pesquisa e, sabendo agora que ela se enforcou, constato que aquilo que sempre se lhe apresentara como uma alternativa acabou tornando-se objeto de escolha.

Confesso que fiquei abalado a tal ponto que optei por não ir ao velório e enterro. Mais do que nunca, talvez por ter acometido uma pessoa relativamente próxima, talvez por ter sido realizado de modo brutal e premeditado, o suicídio calou fundo em mim. Sabemos agora que um enorme sofrimento a remoía interiormente, sofrimento que encontrou expressão na morte voluntária. Agora, porém, é tarde demais.

Não há como explicar o pensamento suicida quando ele se constrói no mais absoluto silêncio e em contraste com condições objetivas que parecem alicerçar uma vida em tranqüilo progresso: formatura, emprego, casa própria, carro novo, casamento. No entanto, pergunto-me se há meios de evitar o suicídio, se há algum argumento capaz de demover quem se encontra na fronteira final.

Avento, inicialmente, o sofrimento que se causará a outros, mas isso me parece insuficiente: o cálculo é óbvio quando a dor que carregamos no peito se torna insuportável. Cogito, em segundo lugar, o argumento do futuro: se sofremos no presente, se temos sofrido há muito, nada impede que nossa vida se torne melhor e que, a partir de um futuro mais ou menos breve, tenhamos dias agradáveis e felizes. Contudo, quando a dor é lancinante, é possível nos apoiarmos num olhar prospectivo? Por fim, interrogo-me sobre o desejo de perfeição tão caro a muitos de nós: frustração, fracasso, impotência, limitação, perda – até que ponto a dor, em suas mais variadas formas, não é potencializada por uma expectativa irreal acerca de nós e do mundo?

É certamente uma grande ironia o fato de que o ato de radical afirmação da liberdade corresponda à máxima negação de si mesmo, mas, frente a uma paixão incandescente, a razão tem pouco a fazer. Se um comentário me é permitido, acho que, se não atuamos dia a dia sobre nossas mazelas e domamos os monstros que nos assombram; se não aprendemos a rir das imperfeições e desfrutar de nossas migalhas; se, em suma, não cuidamos cotidianamente da tênue chama que alumia nossas vidas, corremos o risco de que ela se apague e que nada mais nos reste senão o mergulho na noite eterna.

2 comentários:

  1. Caro Flávio, meus sinceros pêsames.

    Não sei nem o que te dizer, pois a morte é algo que me afeta bastante, seja ela simbólica ou física,e principalmente quando sei de algum caso de suicídio. Lembro-me que certa vez assisti ao filme Sete Vida que tem como protagonista Will Smith, eu não sabia qual era a saga apenas loquei por causa do ator. Para minha surpresa o enredo tinha haver com um suicídio muito bem planejado. Nossa! Passei dias pensando na história do filme, fiquei muito afetada.
    Penso que alguém que comete suicídio não queria o final da sua vida, mas se libertar do sofrimento que assolava seus dias.
    Acredito que seja o ápice do sofrimento humano e que o ser sofrente precisava de acolhimento.
    Segundo o Novo Testamento - no Getsêmani - Jesus sentiu tanta angústia que chorou lágrimas de sangue, enquanto seus amigos dormiam. Todavia não conheço nenhuma outra pessoa que chore lágrimas de sangue em pleno sofrimento, a falta de perceptividade, muitas vezes, nos faz insensíveis a dor alheia.

    Ainda penso que os efeitos da finitude da vida só deve existir para nós que permanecemos na caminhada.



    "Em partes, a vida é um conjunto de escolhas integradas. Uma única escolha pode ter o poder de interferir no resultado das demais, transfigurando o processo da existência". (Aline Rodrigues)


    Sinta-se acolhido!

    Um forte abraço

    Al.

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  2. Vê esse poema. É de Frei Tito de Alencar, quando próximo de teu suicídio.

    Quando secar o rio de minha infância, secará toda dor.
    Quando os regatos límpidos de meu ser secarem, minh'alma perderá sua força.
    Buscarei, então, pastagens distantes - lá onde o ódio não tem teto para repousar.
    Ali erguerei uma tenda junto aos bosques. Todas as tardes me deitarei na relva e nos dias silenciosos farei minha oração.
    Meu eterno canto de amor: expressão pura de minha mais profunda angústia.

    Nos dias primaveris, colherei flores para meu jardim da saudade. Assim, externarei a lembrança de um passado sombrio.

    Acredito que a procura por um lugar menos sombrio, aquele que não se ocupa hoje, talvez seja o propósito de quem comete o suicídio. Quem sou eu pra julgar este propósito, se encaminhamos nossa vida sempre pra o que nos é mais confortável?!

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